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7 de abril de 2025 às 15:30.

A Era da Cura e da Contradição

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Todos os dias, cerca de 150 mil pessoas morrem no planeta Terra. Um número que parece estatística, mas guarda uma realidade incômoda: morrer ainda é, em grande parte, uma questão de onde se nasce, de quanto se pode pagar e de quanta paz existe ao redor.

Vivemos um tempo curioso. De um lado, estamos testemunhando os avanços mais espetaculares da medicina e da biotecnologia. Inteligência artificial que detecta doenças raras em segundos. Vacinas contra o câncer em estágio avançado. Dispositivos minúsculos que acompanham, em tempo real, o que se passa dentro do nosso corpo.

Mas, do outro lado, também estamos mais expostos do que nunca a um mundo em conflito. Crises humanitárias se multiplicam. A desigualdade parece ter se sofisticado. E, de algum modo, a saúde global se tornou um território onde bombas e algoritmos caminham lado a lado.

O século XXI começou com promessas de paz, mas entregou tensão. E entregou também um paradoxo: nunca fomos tão longe na capacidade de curar, e nunca estivemos tão perto de falhar coletivamente.

Enquanto em certos lugares se fala sobre medicina personalizada e edição genética, em outros, a realidade ainda é a falta de saneamento básico, a ausência de antibióticos simples, a luta diária por uma refeição. A expectativa média de vida global passou de 45 para mais de 73 anos nos últimos 75 anos. Em alguns países, ultrapassa os 84. Mas essa longevidade tem um recorte. Ela depende de onde se está — ou, mais precisamente, de onde se sobrevive.

As doenças que mais matam hoje não são mais as infecciosas, e sim as crônicas. Infartos, derrames, diabetes, cânceres. Quase todas com algum grau de ligação ao estilo de vida moderno: comida ultraprocessada, estresse crônico, poluição, sedentarismo, solidão.

A tecnologia, por si só, não dá conta. Porque ela avança com velocidade, sim, mas também com critérios seletivos. Para que as inovações médicas realmente façam diferença, é preciso ter acesso, estrutura, dados, investimento — e, principalmente, estabilidade.

E é aí que entram as guerras. Elas não matam apenas com armas. Elas desorganizam sistemas de saúde inteiros, interrompem cadeias de medicamentos, derrubam hospitais, espalham doenças em campos de refugiados, deixam marcas invisíveis em quem fica. Segundo a OMS, mais da metade dos surtos epidêmicos recentes surgiu em regiões afetadas por conflitos armados.

Falar de saúde hoje é também falar de geopolítica. De ética. De futuro. Nos próximos 30 anos, se cumprirmos as promessas tecnológicas, talvez vejamos doenças sendo tratadas antes mesmo de surgirem. Talvez consigamos viver mais de 90 anos com autonomia. Talvez o câncer se torne crônico, controlável, como é hoje o HIV.

Mas talvez também enfrentemos novas pandemias, colapsos sanitários em áreas devastadas pelo clima ou pela guerra, e um abismo ainda maior entre quem pode viver bem — e quem só tenta sobreviver.

No fim das contas, a pergunta não é mais se viveremos mais tempo. Mas sim: como? E quem vai poder?

A ciência sozinha não basta. O que vai definir o futuro da saúde — e talvez da humanidade — é nossa capacidade de garantir não só longevidade, mas dignidade. Não só vida longa, mas vida boa. E isso exige mais do que inovação. Exige compaixão, consciência, escolha política.

A vitória real será construir um mundo onde viver valha, de fato, a pena e ainda se o Donald deixar.

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