Blog do Publicitário Durango Duarte
Saiba quem é Durango Duarte
10 de junho de 2025 às 16:40.

Diversidade religiosa no Amazonas: um retrato em movimento

compartilhar

Os dados mais recentes do Censo 2022 mostram que o Amazonas abriga uma das paisagens religiosas mais plurais do Brasil. Cada município revela um mosaico distinto de crenças, com dinâmicas que desafiam as médias nacionais e apontam para uma transformação silenciosa, mas profunda, nas formas de viver a fé.

Vamos aos números, mas sem esquecer das histórias. A hegemonia católica, embora ainda presente, já não é tão absoluta. Em Anori, por exemplo, os católicos foram superados por evangélicos — 48,65% contra 47,55%. Em outras cidades, como Alvarães e Anamã, o catolicismo ainda lidera, mas sempre seguido de perto por diferentes ramos do protestantismo. O avanço das igrejas evangélicas, especialmente as de vertente neopentecostal, é visível nos números — e nas margens dos rios.

Segundo o Censo, as cinco cidades com maior concentração de católicos revelam índices impressionantes. Nhamundá lidera com 82,33% da população se declarando católica, seguida por Boa Vista do Ramos (74,56%), Parintins (73,59%), Barreirinha (72,16%) e Ipixuna (69,61%). Já entre os evangélicos, Tapauá se destaca com 60,70% da população, à frente de São Paulo de Olivença (52,32%), Manacapuru (51,78%), Beruri (51,69%) e Rio Preto da Eva (50,76%).

Contudo, o dado mais curioso está na convergência: em pelo menos seis municípios, os percentuais de católicos e evangélicos são praticamente equivalentes. Amaturá (41,0% católicos e 41,31% evangélicos), Maraã (47,14% vs 46,92%) e Codajás (48,52% vs 47,76%) ilustram bem esse equilíbrio delicado. Nesses lugares, o convívio entre diferentes crenças se desenha como uma experiência cotidiana, e não como exceção. São territórios onde o diálogo inter-religioso não é teoria — é prática comunitária.

Esse crescimento evangélico se dá, em parte, por conta da presença ativa de missionários em comunidades isoladas, muitas vezes em locais onde o Estado mal chega. Nessas regiões, o templo substitui o posto de saúde, a escola, o centro comunitário. A fé chega de barco, com microfone, promessa e acolhimento. E não à toa, ganha força.

Mas o Amazonas não se resume à disputa entre católicos e evangélicos. Há ali algo mais: tradições indígenas, espiritualidades locais, sincretismos vivos que escapam às classificações tradicionais. Em Amaturá, por exemplo, mais de 16% da população se identifica com “outras religiosidades” — um índice que, a nível nacional, mal passa de 1%. É um dado que fala de ancestralidade, de resistência cultural, de conexão com a floresta. É possível sentir, nas entrelinhas, que não estamos apenas diante de estatísticas, mas de um território espiritual em movimento.

E, em paralelo a tudo isso, cresce também o número de pessoas que se declaram sem religião. Em Apuí, esse grupo já representa mais de 9% da população — mais do que o dobro da média nacional. O dado, por si só, não fala de ateísmo puro e simples, mas de uma religiosidade mais fluida, muitas vezes pessoal, desconectada de instituições.

Em muitos casos, essa opção pelo “sem religião” também é uma resposta ao excesso de institucionalização da fé. Jovens, especialmente, parecem buscar outras formas de pertencimento espiritual — menos dogmáticas, mais conectadas à experiência individual. Em vez de rituais fixos, vivências. Em vez de discursos prontos, silêncio ou introspecção. É um movimento que ainda carece de nome, mas que cresce pelas bordas.

Outro aspecto importante é o papel da comunicação digital nesse novo desenho religioso. Muitas comunidades ribeirinhas, antes isoladas, hoje têm acesso a cultos transmitidos por rádio, WhatsApp e redes sociais. Isso não apenas amplia o alcance das igrejas evangélicas, como também redefine o modo de evangelizar: menos púlpito, mais tela. A fé circula por novos meios, mas carrega consigo as mesmas disputas por espaço, influência e permanência.

A análise dos índices de diversidade — como Shannon e Simpson — confirma o que os números sugerem: o Amazonas não tem um centro de gravidade religioso. Tem equilíbrio. Em muitos municípios, diferentes crenças convivem lado a lado, dividindo o mesmo território, o mesmo cotidiano, os mesmos desafios.

Esse retrato multifacetado mostra como a vivência religiosa no estado é moldada por um conjunto de forças: a herança da colonização católica, a expansão evangélica, a persistência das tradições indígenas e o sopro contemporâneo da secularização. O resultado é uma cartografia espiritual própria, onde fé, cultura e território se entrelaçam.

Mais do que números, esses dados contam histórias. E reforçam que, no Amazonas, religião é também geografia, memória e transformação.

Comentários