BAIRRO DE EDUCANDOS
Havia um latifúndio no então bairro de Educandos, cujo imbróglio entre os proprietários e os sucessivos governos estaduais, já se arrastava por 30 anos. Situação que resolveria um problema social dos mais agudos, em relação à propriedade da terra no município de Manaus.
RUA TAPAJÓS
No ano de 1963, a urbanização tomava conta de Manaus, havia obras públicas espalhadas por toda a cidade. Nessa onda progressista, no Centro, aterrou-se e retificou-se a Rua Leonardo Malcher. Para os moradores daquela rua, era uma benfeitoria mais que necessária; para os moradores da Rua Tapajós, os serviços realizados na vizinha transversal eram animadores, mas não resolvia o inconveniente problema do covão ao sopé do Instituto Benjamim Constant.
O trecho era inacessível aos automóveis e um suplício para os pedestres, que pra chegarem a Rua Ramos Ferreira, precisavam dar a volta por trás do Instituto de Educação. Pior era imaginar o dia em que um morador precisasse de atendimento emergencial, seriam horas de angustia e padecer. A verdade é que o tempo havia parado nos degraus da íngreme escada, testemunha estática e muda da história daquela rua. A chegada das primeiras carradas de material e os primeiros homens para iniciar as obras da Rua Tapajós, mudou essa desoladora perspectiva e até arrancou confissão de alívio: “Isto até parece um sonho”, disse um velho morador que já não mais acreditava que o progresso por lá chegasse. O inicio das obras creditou-se ao vereador Xenofonte Antony, que apelou ao prefeito Josué Cláudio de Souza, tendo esse decidido realizá-la.
Dez homens cavaram enormes valões, para que fosse erguido um muro de arrimo de dois metros de altura, o que possibilitou o aterro que permitiu o acesso de veículos automotores, no trecho compreendido entre as Ruas Ramos Ferreira e Leonardo Malcher.
Foi assim que, durante o segundo semestre de 1963, o vão que tanto atormentava os moradores da Rua Tapajós recebeu aterro, dando lugar à ladeira que – raro o morador de Manaus que ainda não experimentou – sempre causa um friozinho na barriga, quando o carro parte em velocidade, cruza a Rua Leonardo Malcher e alcança o topo da ladeira, momento em que precisa ser frenado, antes que alcance o cruzamento com a Rua Ramos Ferreira.
Inimaginável não ter essa artéria como opção de acesso ao Teatro Amazonas, a Praça São Sebastião, a Praça do Congresso e a Praça da Saudade, só para citar alguns sítios históricos do Centro de Manaus, ou mesmo como atração turística, especialmente para os mais jovens, que apreciam velocidade e emoções radicais.
BAIRRO PRAÇA 14
A revolução foi geral quando, em 1968, durante a gestão do prefeito Paulo Pinto Nery, se pensou trocar o nome do bairro Praça 14 para Praça Portugal. Houve repercussão na Assembleia Legislativa, protesto em forma de música e a ameaça da Escola de Samba não desfilar. Essa proposta de mudança fez desaparecer o bumbá Caprichoso, boi que representava a Praça 14 de Janeiro nas paradas juninas. Além disso, ninguém mais queria ensaiar e o samba começava a perder o conceito no seio da juventude da Praça.
Ninguém sonhava investir em imóveis no bairro de ruas que empoçavam em dias de chuva, mas tentavam arrebatar-lhe o nome. Que coisa mais esquisita! Felizmente não vingou.
BAIRRO COMPENSA
No dia 20 de janeiro de 1969, mais de cinco mil pessoas, a maioria oriunda do interior do estado, invadiram impiedosamente terras situadas na Compensa. Os retirantes chegavam diariamente, queimavam o terreno, limpavam e construíam seus barracos, desconsiderando os apelos em contrário de uma senhora de nome Sebastiana, que não tinha qualquer documento que comprovasse a sua propriedade, mas que se intitulava dona da área invadida.
Os invasores aguardavam o posicionamento final do governo, mas enquanto não chegava, o ambiente continuava sendo de construção desenfreada, envolta pela fumaça branca das queimadas. Não havia luz, esgoto, nem infraestrutura. A água limpa e fresca que abastecia os novos moradores era retirada do igarapé denominado igarapé da Viúva e as necessidades fisiológicas mais urgentes eram feitas no mato. A bagunça era tamanha que, da parte dos invasores, não havia qualquer preocupação e tampouco respeito com os corredores que viriam a se tornar ruas. Havia exceções, é claro, como a já batizada Rua da Viúva, uma longa picada que dava acesso à casa da misteriosa Sebastiana, que se dizia viúva e tinha quatro filhos.
Mas a contenda estava apenas começando, pois outra viúva, a senhora Maria do Nascimento Borel, a viúva Borel, se apresentava como proprietária de uma enorme área invada. A diferença entre as viúvas Sebastiana e Maria é que, diferentemente da primeira, a segunda tinha os documentos comprobatórios de propriedade de toda a sua área invadida. Os grileiros agora se digladiavam com quem tinha legitimidade para requerer de volta o que era seu.
Cogitou-se que a então viúva Borel mantinha armados seus dez filhos. Isso teria ocorrido após serem desferidos tiros contra a sua residência, em plena quinta-feira santa daquele abril de 1969. No sábado de aleluia seus filhos revidaram, atirando contra espiões que rondavam a sua casa.
Em maio do mesmo ano, grileiros e uma patrulha da Polícia Militar, sob o comando do então capitão Nathan Lamego, invadiram a propriedade da viúva Maria Borel. Entraram em sua casa e de lá arrancaram, à força, um de seus filhos, a pretexto de que ele andava armado de rifle. O advogado da viúva Borel, Dr. Miguel Barrela, autor da então ação de reintegração de posse impetrada na 6ª Vara Cível, agiu rápido. Ele representou, junto ao comando da corporação e à Delegacia de Ordem e Política Social, contra o então militar por invasão de domicílio. O advogado defendia que entre os invasores havia moradores dos bairros da Glória e Raiz.
Esses invasores estavam interessados apenas em se apropriar das terras para fins especulativos, já que a maioria tinha propriedades nos seus respectivos bairros. Isso foi constatado nos cartórios de registros de imóveis. Sobre a violência cometida contra o filho da sua constituinte, Dr. Barrela declarou à imprensa: “De agora em diante, a família da viúva tem ordens para atirar em quem ousar invadir sua propriedade, pois a lei assegura esse direito”.
Após a invasão de sua casa, a viúva Maria do Nascimento Borel pediu proteção às autoridades através do jornal A Crítica. O ambiente ficou ainda mais hostil entre os invasores e sua família.
Enquanto as terras da Compensa continuavam sendo ocupadas diariamente, a viúva Borel exigia a imediata desocupação da área que afirmava lhe pertencer, mas com dez filhos para criar, não pode das terras cuidar, nem mesmo cerca-las, deixando-as quase que abandonadas. Isso conspirou a favor dos milhares de invasores que, somados aos moradores da antiga cidade flutuante, demarcaram áreas e lá se instalaram definitivamente, dando origem ao bairro da Compensa.
Fonte: IDD