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5 de abril de 2017 às 16:12.

José Osterne de Figueiredo: um grande azarado ou um assassino em série? (Parte II)

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Após o crime ocorrido em seu estabelecimento comercial, José Osterne de Figueiredo ficou desgostoso com os acontecimentos e decidiu fechar sua alfaiataria, em março de 1954. Mas não sem antes fazer um empréstimo na Caixa Econômica Federal para pagar os seus clientes que tiveram peças de roupas roubadas no suposto latrocínio. Suposto, porque, até então, as autoridades policiais andavam às tontas, sem nada que os levasse à solução do assassinato do biscateiro Anacleto Gama.

Aconselhado por dona Olívia, em agosto de 1954, Figueiredo resolveu comprar uma mercearia localizada na rua Visconde de Porto Alegre. Porém, ao falar com o seu compadre, Raimundo Alves, sobre o negócio, este lhe informou que um português de nome Antônio Dias estava querendo vender uma taverna, situada na rua Taqueirinha, no Centro, o que era mais conveniente a José Figueiredo, por ser mais próxima da sua residência.

Segundo Raimundo Alves, o comerciante português estava pedindo Cr$ 80.000,00 pelo ponto comercial e ainda facilitava o pagamento das mercadorias que estavam na mercearia. Entretanto, Figueiredo só tinha Cr$ 50.000,00 em espécie e, então, pediu a Raimundo que fosse negociar com Antônio Dias a fim de que parcelasse os Cr$ 30.000,00 que faltavam.

O português não aceitou o parcelamento, pois o motivo da venda do seu estabelecimento era justamente para quitar dívidas. Figueiredo então pediu emprestado do seu amigo José Marques Ramos o valor que faltava para completar o que Antônio pedira.

Marques Ramos então emprestou-lhe Cr$ 50.000,00, sendo Cr$ 46.000,00 em cheque e Cr$ 4.000,00 em dinheiro, somando-se, assim, os Cr$ 100.000,00 necessários para comprar a mercearia. Quanto às mercadorias, o valor somente seria estipulado após a realização do balanço das mesmas.

No dia 28 de agosto de 1954, Figueiredo concluiu a compra da taverna de Antônio Dias, que não assinou um recibo de compra e venda, porque era um sábado e também porque não havia sido concluído o levantamento de todos os produtos do estabelecimento, o que só ocorreu três dias após a compra, no dia 31.

José Figueiredo começou a trabalhar na sua recém-adquirida mercearia a partir de 1º de setembro seguinte, sendo auxiliado por Antônio Dias, que pediu para ficar na taverna, ao menos, por mais seis dias, pois pretendia viajar logo em seguida. Nesse ínterim, Antônio se ofereceu para ajudar Figueiredo a se familiarizar com a clientela.

Ao fim do primeiro dia de Figueiredo à frente do negócio, foi apurada a renda de mais de Cr$ 1.800,00 que foi guardada no cofre do estabelecimento por Antônio Dias. Por volta das 20h, José Figueiredo falou ao português que ia para casa a fim de dormir. Antônio, então, após trancar o cofre, perguntou-lhe se queria levar a chave do cofre e uma da porta da taverna, mas o novo dono não aceitou.

Após jantar em sua residência, Figueiredo saiu para o botequim Primeiro de Maio, onde topou com o seu compadre Raimundo Alves a quem falou que estava muito feliz com o seu novo comércio. De lá, ele retornou à sua casa, mais ou menos às 21h, encontrando sua esposa, dona Olívia, sentada na frente da residência, com quem ficou por alguns minutos até se recolherem para dormir, isto já pelas 21h30.

Parecia mais um final de dia normal para Figueiredo e família, e para os moradores de Manaus. No entanto, a madrugada que se sucederia traria novamente o horror às manchetes manauaras, na manhã seguinte.

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O Jornal, 03 de setembro de 1954.

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FIGUEIREDO EM NOVA CENA DE CRIME

Manhã de quinta-feira, 2 de setembro de 1954. Às 6h20, o português José Gonçalves Duque Filho, carpinteiro naval, voltava da praia para a sua residência, à rua Visconde de Mauá, n. 86, quando passou na rua Taqueirinha e percebeu uma aglomeração de pessoas na frente da mercearia de Antônio Dias.

José Duque costumava fazer, diariamente, esse caminho até sua casa e sabia que era hábito do comerciante abrir seu estabelecimento sempre entre 4h30 e 5h. Por isso, ao ver toda aquela celeuma e as portas da taverna fechadas, perguntou aos presentes por que o senhor Antônio ainda não havia aberto o seu comércio.

Entre as pessoas na multidão, José Duque reconheceu os senhores Marino Silva, Joaquim do Porto, uma senhora por nome dona Messias, e o nosso personagem José Figueiredo. Por sugestão dos dois últimos, o carpinteiro foi até sua casa buscar uma escada de ferro.

Ao voltar, José Duque pôs a escada sob a janela do quarto de Antônio Dias e, ao subir e alcançar a mesma, deparou-se com o corpo do comerciante desfalecido sobre a cama, com um travesseiro todo ensanguentado sobre o seu peito. Então, voltou-se para os que ali se encontravam e anunciou que Antônio Dias estava morto. José Duque disse que ouviu quando José Osterne Figueiredo avisou que ia telefonar para a polícia.

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MAS, O QUE JOSÉ FIGUEIREDO FAZIA NA FRENTE DA MERCEARIA?

No alvorecer daquele 2 de setembro, por volta das 5h, o cearense José Figueiredo, em companhia de sua esposa, dona Maria do Perpétuo Socorro, e de sua secretária do lar, dona Carolina, foram ao mercado fazer compras para a Pensão Maranhense, como de costume.

Menos de uma hora depois, dirigiu-se à mercearia recém-adquirida de Antônio Dias para iniciar o seu segundo dia como dono do comércio. E ao chegar lá, encontrou a taverna de portas fechadas.

Estranhando a situação, Figueiredo conversou com um conhecido seu, de nome Raul, que também estava na frente da mercearia em meio aos curiosos, e questionou com o mesmo a demora na abertura da taverna. O cearense conjecturou com esse amigo que era possível que Antônio Dias tivesse dormido fora.

Conforme o tempo ia passando, a aglomeração de clientes e vizinhos na frente da mercearia só aumentava. Foi quando apareceu o carpinteiro José Duque, que, após ter colocado uma escada na janela do quarto de Antônio Dias, confirmou que ele estava na taverna, porém, deitado, sem vida, sobre a cama.

José Figueiredo, então, apanhou um carro e foi até sua residência avisar o ocorrido à sua esposa: “Não podemos mais morar aqui em Manaus. Algo está perseguindo eu e você. O homem da taberna amanheceu morto”. De lá, partiu para a Delegacia de Segurança Pessoal, onde falou com o comissário Cardoso sobre o que tinha visto na mercearia. Ou seja, mais uma vez, é Figueiredo quem comunica as autoridades policiais sobre um assassinato. Seria coincidência?

Ele, então, acabou por ficar ali detido, até que a diligência policial retornasse do local do crime. Dada a semelhança deste assassinato com o ocorrido em outubro de 1953 em sua extinta alfaiataria, quando fora morto o biscateiro Anacleto Gama, José Figueiredo se tornava um suspeito em potencial.

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UM CORPO NU EM UMA POÇA DE SANGUE… DE NOVO

Após a informação de Figueiredo, o delegado titular da Delegacia de Segurança Pessoal, Eduardo Bentes Guerreiro, determinou abertura de inquérito para apuração dos fatos. Foram ao local do crime o comissário Manuel Cardoso, o médico legista, dr. Hosannah da Silva, e o perito Aloisio Oliveira.

Ao chegarem, encontraram o corpo de Antônio Dias completamente nu e ensanguentado, deitado sobre a cama, como bem descreve o laudo do exame cadavérico, além de dar outros detalhes do quarto da vítima:

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Que, examinando o Antônio Dias, verificaram apresentar: Estar um cadáver de um indivíduo do sexo masculino em posição de decúbito dorsal sobre uma cama de madeira, com colchão, o membro superior esquerdo distendido, paralelo ao corpo, e o superior direito flexionado; os membros inferiores distendidos; a cama se encontrava no sótão da casa nº 51 da rua Taqueirinha, com o lado da cabeça para o interior da casa; a 20 centímetros dos pés da cama se encontrava uma cadeira e uma mesa pequena, onde estavam peças de roupas e outros pertences; 2 malas mais para o fundo; a cama encostada à parede; sobre a face do cadáver se encontrava um travesseiro tinto de sangue, amassado como se fosse empurrado de encontro à boca e o nariz; o colchão, coincidindo com a cabeça e com o tórax, encontrava-se ensanguentado; ao lado da cabeça se encontrava um cigarro inteiro; ao exame da cabeça, foram encontradas uma contusão com equimose, situada no meio da região frontal; um ferimento contuso, com cerca de 3 centímetros de extensão, atingindo a pele, situado do lado esquerdo da região frontal; um ferimento contuso, com cerca de 4,5 centímetros de extensão, de bordos irregulares e afastados, situado à altura do frontal, à esquerda; um ferimento contuso com cerca de 6 centímetros de extensão, atingindo o couro cabeludo, situado à altura do temporal esquerdo; um ferimento contuso no couro cabeludo, com cerca de 8 centímetros de extensão, de bordos irregulares afastados, situado à altura dos parietal e temporal esquerdos; fratura dos ossos cranianos; hemorragia externa e interna; rigidez cadavérica; concluem que a morte se deu por choque traumático, em consequência de forte traumatismo craniano, havendo fratura do crânio e hemorragia interna e externa (…). Possivelmente houve asfixia, em concomitância ao choque traumático, tendo sido encontrado o travesseiro em posição que leva os peritos a tirarem essa conclusão. (Laudo de Exame de Levantamento Cadavérico, do Instituto Médico Legal, emitido em 2 de setembro de 1954).

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A possibilidade de a causa mortis ter sido asfixia foi derrubada após a realização da autópsia, ocorrida no mesmo dia 2 de setembro. Não foi encontrado sinal de asfixia nos pulmões, sendo atribuído às pancadas dadas violentamente na cabeça de Antônio Dias o motivo da sua morte.

O perito Aloisio Oliveira, após averiguar o local do crime, verificou que não havia sinais de violência nas portas e janelas ou no telhado. Daí a conclusão de que o assassino teria entrado na taverna com o consentimento de Antônio Dias.

Ainda segundo Oliveira, após o delito, o criminoso teria saído calmamente pela porta principal do estabelecimento, “deixando cair a tranca da mesma no local devido, graças à folga proporcionada pelo seu não aferrolhamento” (Relatório Policial, de 17 de setembro de 1954).

A polícia apreendeu no local um “macete” (espécie de bastão de madeira, tipo um porrete) e uma lâmpada elétrica, com bocal de 60×220 volts, em que foi constatado, pela perícia, haver impressões digitais.

De início, foi descartada a possibilidade de que o assassinato tenha sido causado com o motivo de roubo, pois não se notou o desaparecimento de dinheiro ou mercadorias da mercearia.

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A Crítica, 04 de setembro de 1954.

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NOVAMENTE A IMPRENSA FAZ PRESSÃO NA POLÍCIA

Os jornais locais, ainda “entalados” com a falta de solução ao crime da Alfaiataria Figueiredo, ocorrido há menos de um ano, começaram a tecer suas teorias e destacar a estranheza em José Figueiredo ser personagem em ambos os casos, com muitas coincidências nos dois assassinatos. Isso fica claro em “A Crítica”, de 3 de setembro de 1954:

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Consoante A CRÍTICA noticiou, à época, com abundância de detalhes, o crime da Alfaiataria Figueiredo, até hoje insolúvel, foi participado à Polícia pelo sr. José Figueiredo, proprietário do citado estabelecimento, onde foi encontrar morto, numa poça de sangue, o seu empregado Anacleto Gama.

Incidentalmente, foi esse mesmo cidadão que, às primeiras horas da manhã de ontem, se apresentou na Delegacia de Segurança Pessoal para comunicar ao comissário Manoel Cardoso que no interior do estabelecimento comercial, sito à rua Taqueirinha, número 51, encontrava-se um homem morto.

Pela forma como o crime foi cometido e pelos vestígios deixados, o assassino era pessoa conhecida da vítima, pois que, segundo foi verificado pela perícia, o criminoso entrou na residência do morto a seu convite, desde que não se encontraram vestígios de arrombamento de portas ou janelas, assim como outro qualquer sinal de violação foi encontrado. Acredita a Polícia que o criminoso deve ser o mesmo que matou, em idênticas circunstâncias, o infortunado Anacleto Gama e que até hoje continua impune.

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Na mesma edição, faz-se a suposição de que o assassinato de Antônio Dias apresentava indícios de crime com fundo sexual:

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Por diversos vestígios encontrados no local do crime, está a Polícia inclinada a classificar o crime da rua Taqueirinha como de fundo sexual. Acreditam as autoridades que Antônio Dias tenha sido vitimado por um sádico, após práticas homossexuais. (A Crítica, de 3 de setembro de 1954).

[/vc_column_text][vc_column_text]Mesmo com as suspeitas recaídas sobre si, cinco horas depois de ser preso para averiguações, José Figueiredo foi liberto pelo comissário Manuel Cardoso, pois não havia provas robustas da participação do comerciante no crime em questão. O “Diário da Tarde” não perdoou as autoridades policiais, a quem considerava como incompetentes e tratava com deboches:[/vc_column_text][vc_column_text]

A nossa Polícia, como sempre, nada faz. Certos de sua incompetência, os policiais acusam-se e entrincheiram-se em vaidades descabidas, querendo todos ficar de fora para não arcarem com as responsabilidades, quando for constatado o inevitável fracasso. Prendem-se suspeitos e soltam-se alguns, deixando outros na enxovia.

Os maiores suspeitos, diante das provas circunstanciais, andam flanando pelas ruas da cidade, outros contra os quais não se admite tanta culpabilidade, mesmo nos meios policiais, são conservados presos, como é o caso de um compadre de Antônio Dias, de nome Marino Silva, que desde ontem, às 13 horas, se encontra detido, sem prestar qualquer depoimento.

Esperam, naturalmente, os encarregados do inquérito, que o criminoso seja assaltado pelo remorso e se chegue a eles, dizendo: “Eu sou o criminoso, por favor prendam-me”. Mas, acontece que esse criminoso é um anormal, ao que tudo indica, e, por isso, não há de sentir tal remorso.

Em defesa da sociedade, apelamos daqui aos senhores membros do Ministério Público para que acompanhem e orientem as investigações. Fazemos este apelo, certos de que a Polícia, pelas demonstrações de sua incompetência, jamais descobrirá qualquer crime em Manaus. (Diário da Tarde, de 3 de setembro de 1954).

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AS RELAÇÕES DE ANTÔNIO DIAS

O comerciante Antônio Germano Dias, à época com 56 anos, era solteiro e não possuía familiares na cidade. As pessoas mais próximas suas eram o seu afilhado de batismo, Antônio José Monteiro, seu compadre Marino Silva e o engraxate Pedro Vicente Nascimento, 31 anos, que era tido como “frequentador assíduo” da taverna e da cama do português.

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Pedro Nascimento

Essa proximidade do engraxate Pedro Nascimento com o comerciante o levou a ser considerado, pela polícia e imprensa, também como um forte suspeito, além, é claro, do cearense José Figueiredo: “A Polícia procura um cidadão, Pedro de Tal, que todas as noites frequentava a taberna de Antônio Dias e que se encontra desaparecido. Acham as autoridades policiais que o Pedro tem qualquer ligação com o bárbaro crime”. (Diário da Tarde, de 3 de setembro de 1954).

Na edição do dia seguinte, o “Diário da Tarde” reforçou a suspeita sobre os dois – José Figueiredo e Pedro Nascimento – quando publicou matéria sobre uma possível testemunha que disse ter ido à mercearia nas primeiras horas do dia 2 fatídico:

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Através de informações particulares, chegou ao nosso conhecimento que, mais ou menos às 5 horas e 10 minutos do dia em que se verificou o crime e pouco antes do corpo ser encontrado, uma empregada do dr. Aluisio Brasil dirigiu-se à taberna do sr. Antônio Dias com a intenção de comprar manteiga.

Ali chegando, chamou o taberneiro, dizendo o que desejava, estranhando que a mercearia estivesse fechada, pois, de ordinário, era aberta às 5 horas. Uma voz respondeu lá de dentro, informando de que Antônio tinha saído e que voltaria logo. Ainda de fontes particulares, soubemos que, minutos mais tarde, o sr. Figueiredo teria sido visto nas proximidades.

A empregada do dr. Aluisio Brasil, indagada a respeito, informou que é possível reconhecer a voz que ouviu. Sendo o sr. José Figueiredo suspeito, como também o é Pedro de Tal que se encontra preso para interrogatório, não seria difícil arranjar-se um meio de fazer com que suas vozes fossem ouvidas pela empregada do sr. Aluisio Brasil, a fim de que a mesma pudesse identificar uma delas ou não. (Diário da Tarde, de 4 de setembro de 1954).

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Pedro foi a primeira pessoa a ser interrogada pelas autoridades policiais após a morte de Antônio Dias e, em seu depoimento, confirmou a sua relação com o comerciante, contando sobre como se conheceram e a duração do envolvimento dele com a vítima:

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Que, o declarante, nos últimos meses do ano de 1949, sendo vendedor de peixe, conheceu o cidadão Antônio Germano Dias, qual tinha uma mercearia situada na rua Itacoatiara, próximo à avenida Carvalho Leal, a qual tinha o nome de Mercearia Gato Preto; Que este cidadão, o declarante sabe ser de nacionalidade portuguesa, nascido em Minho;

Que o conhecimento do declarante iniciou com o pedido de um copo d’água que o declarante fez ao senhor Antônio Germano Dias, o qual lhe perguntou onde morava, tendo feito ao declarante a proposta para que este se empregasse em seu estabelecimento comercial, perguntando, antes, se o declarante não conhecia algum menor que se quisesse empregar;

Que, não obstante não ter o senhor Antônio Germano Dias feito ordenado para o declarante, este aceitou o emprego, passando a trabalhar com o referido senhor, dois dias depois; Que, passados uns cinco dias que o declarante trabalhava com o referido senhor, dormindo no estabelecimento, à noite, o senhor Germano Dias foi na rede do declarante, e, pegando no seu membro, o convidou para ir dormir com a sua pessoa na cama;

Que o declarante, aceitando o convite, o senhor Antônio Germano Dias desceu a escada, e, quando voltou, foi com uma lata de vaselina na mão, desta se servindo e esfregando no membro do declarante; Que, a seguir, o declarante teve relações com o senhor Antônio Germano Dias e, depois, tomando banho, se deitaram na mesma cama, dormindo;

Que, passados dias, o declarante foi à mercearia, tendo o senhor Antônio Germano Dias lhe dado a quantia de Cr$ 20,00; Que, quatro dias depois, o declarante passou a trabalhar com um cidadão conhecido por “Piau”, no serviço de engraxate; Que, de vez em quando, o declarante ia ao estabelecimento do senhor Antônio, fazendo alguma compra para o mesmo (…); Que, em uma das vezes, o declarante teve relações com o senhor Antônio, voltando à vida antiga, ou melhor, de vez em quando passava a ter relações com o mesmo (…);

Que a última vez que o declarante teve relações com o senhor Antônio Germano Dias foi no dia 10 de junho do corrente ano; Que, em todas as vezes, o senhor Antônio passava vaselina no membro do declarante, o colocando em seu próprio ânus. (Auto de Declarações colhido pela polícia no dia 2 de setembro de 1954).

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Em outra parte do depoimento, Pedro Nascimento fala de outros possíveis envolvimentos de Antônio Dias:

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Que, o declarante passou a desconfiar que o senhor conhecido por Marino, empregado da Fábrica “Minerva”, tinha também relações com o senhor Antônio, pois que os mesmos foram surpreendidos pelo declarante, por diversas vezes, conversando baixinho;

Que o declarante desconfia que o senhor Marino saiba o segredo do cofre, pois que o senhor Antônio, por muitas vezes, o chamava, dando-lhe dinheiro, permitindo que Marino o visse abrir o referido cofre (…); Que, há meses, o declarante viu que um cobrador do ônibus [da empresa] “Lourenço Marques”, cujo nome não se recorda, dormia também com o senhor Antônio, pois que, certa noite, ali chegando, encontrou-os no interior da casa, trancados;

Que, por esse motivo, o declarante teve uma reação de ciúmes, pois que nesta noite não quis nada com o senhor Antônio; Que o soldado do 27º Batalhão de Caçadores frequentava também a casa do senhor Antônio; Que o declarante afirma que não sabe o nome do soldado, mas que, o vendo, conhece, e que este também tinha relações com o senhor Antônio Dias. (Auto de Declarações colhido pela polícia no dia 2 de setembro de 1954).

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Pedro também declarou ter discutido, publicamente, com Antônio Dias três meses antes do assassinato do português, trocando, com o mesmo, desaforos a respeito da intimidade dos dois:

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Que no dia 18 do mesmo mês de junho deste ano, tendo o senhor Antônio brigado com o declarante na presença de diversas pessoas e o chamado de “fresco”, o declarante respondeu que “fresco” era ele, Antônio, porque já o “tinha comido”; Que, deste dia em diante, o declarante não mais voltou à casa do senhor Antônio Dias. (Auto de Declarações colhido pela polícia no dia 2 de setembro de 1954).

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Inquirido sobre como Antônio Dias costumava trancar o seu estabelecimento, Pedro Nascimento afirmou que as portas eram fechadas com ferrolhos em cima e embaixo, sendo colocada, em seguida, uma tranca horizontal para reforçar as mesmas.

Quando Pedro chegava à mercearia (o mais tardar, às 20h30) e encontrava tudo trancado, ele batia à porta, e Antônio Dias olhava por uma janela, que ficava em cima da última porta (para o lado da Manáos Harbour Limited), descia e abria outra janela que tinha uma grade pequena, para confirmar se era mesmo o seu amante. Somente após essa certificação é que Antônio abria-lhe a porta principal da taverna.

Pedro Nascimento disse ainda que, no dia anterior ao assassínio de Antônio Dias, ele passara a noite na casa de sua madrinha, dona Eliza, jogando baralho, onde permaneceu até às 22h30. E que soube da morte de seu ex-companheiro somente por volta das 10h da manhã de 2 de setembro.

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Marino Silva

A respeito de Marino Silva, mencionado por Pedro Nascimento e por José Figueiredo, ele compareceu à Delegacia de Segurança Pessoal para prestar esclarecimentos no dia 3 de setembro. Disse que no dia anterior à morte de Antônio Dias ele foi à mercearia, como de costume, por volta das 15h30 para tomar cachaça.

De lá, partiu para a rua Frei José dos Inocentes a fim de se encontrar com uma prostituta, residente na “Pauzada”, onde demorou por 15 minutos, retornando para a sua casa, no bairro do Céu.

No dia seguinte, saiu de sua residência às 6h30 para a Fábrica Minerva, onde trabalhava como vendedor ambulante e de cigarros. Seu percurso diário costumeiro era pela rua Governador Vitório, passando pelo canto do IAPTEC, rumo à Estação dos Bondes, depois Marquês de Santa Cruz e rua dos Barés.

Ao chegar na esquina do IAPTEC, Marino disse que avistou José Figueiredo na rua Taqueirinha, em pé, defronte a mercearia. Ao perceber as portas do comércio ainda fechadas àquela hora, foi até Figueiredo, que lhe perguntou qual horário Antônio Dias costumava abrir a mercearia. Marino disse que o horário de praxe era de 5h a 5h30.

Como já se passavam das 6h40, Marino, com Figueiredo, foi até à porta principal da taverna e bateu com força por duas vezes, sem que houvesse qualquer sinal de resposta do interior do local. Então foi examinar as outras portas do lugar e verificou que a última, pelo lado da rua Taqueirinha, estava semiaberta, escorada apenas pela tranca.

Suspeitando de arrombamento, Marino, então, sugeriu a José Figueiredo que fosse avisar a polícia. E antes de ir para o seu trabalho, chamou o senhor José Duque, vizinho de Antônio Dias, para que tomasse conhecimento do ocorrido, não mais sabendo o que ocorrera depois.

O depoente disse que somente depois é que falou com José Figueiredo novamente, quando este passava em frente aos escritórios Nigson & Cia. Ao perguntar de Figueiredo o que ocorrera na mercearia, o novo dono da taverna pôs a mão sobre peito e disse: “Está morto!”.

Com a notícia, Marino pediu ao seu chefe para sair e não retornar mais ao trabalho naquele dia, pois iria para o enterro do seu compadre. Voltou para a mercearia, onde já se aglomeravam várias pessoas, ali permanecendo até a retirada do corpo para o Cemitério São João Batista.

Marino já conhecia Antônio Dias desde o tempo em que este possuía uma mercearia na zona Sul da cidade. Ele disse que o comerciante já tinha o hábito de dormir sem roupa, e só bem recentemente ele viera a descobrir que seu compadre era homossexual, como consta neste trecho da sua declaração ao comissário Manuel Cardoso:

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Que o depoente, ao tempo em que Antônio Dias tinha uma mercearia na Cachoeirinha, sabe ter este, por costume, dormir nu, afirmativa esta que não receia contestação, pois, por duas vezes, vira a olhos nus aquele cidadão nessa situação; Que, decorridos tempos, o depoente se casou, como também o senhor Antônio Dias mudou-se para a cidade [como antigamente a população se referia ao Centro], sem que tivessem mais mantida as mesmas relações de amizade;

Que, há cerca de três meses atrás, o depoente obtivera informações de parte do indivíduo Pedro de Tal, que é engraxate na Estação de Bondes, de que o falecido Antônio Dias era “pederasta passivo”, afirmativa esta que decorreu de uma discussão entre ambos e na presença do depoente, chegando aquele ao ponto de dizer que “pederasta passivo” era de fato este, pois já teria tido contato sexual com a pessoa de Antônio Dias por várias vezes. (Auto de Declarações colhido pela polícia no dia 3 de setembro de 1954).

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Antônio Monteiro (Tonico)

O torneiro mecânico Antônio José Monteiro, de 30 anos, mencionado algumas vezes pela alcunha de “Tonico”, prestou depoimento no mesmo dia de Marino Silva. Ele morava na rua Luiz Antony e trabalhava na firma Bernardino Lopes & Companhia.

Segundo ele, Antônio Dias era seu padrinho de batismo, depositando-lhe total confiança a ponto de colocá-lo como único herdeiro de todo o seu espólio, processo assinado em 1941, no cartório do dr. Manuel da Rocha Barros. Ele não sabia se seu padrinho havia revogado esse testamento.

Todos os dias, após largar seus serviços às 18h, ele ia à mercearia para ajudar o padrinho, como forma de agradecimento pelos favores recebidos do português. Tonico também disse que jamais ia para a casa de Antônio Dias à noite:

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Que, em tempo algum, o depoente frequentou a casa de seu padrinho à noite, mesmo porque não sai de casa depois de largar o serviço; Que a única pessoa que sabe dormir com o seu padrinho é o senhor Rubem de Tal, que é empregado na Escola Técnica, afora o Travasso de Tal, que é fazendário que, sempre que vem à capital, dormia com o seu padrinho, porém, isso não excedia de dois ou três dias, pois o mesmo viajava, em razão de sua função fiscalizadora entre os portos de Itacoatiara e o de Manaus. (Auto de Declarações colhido pela polícia no dia 3 de setembro de 1954).

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Questionado se conhecia o novo proprietário da mercearia, Antônio Monteiro respondeu que no sábado, 28 de agosto, o senhor José Duque o havia falado que seu padrinho tinha vendido o comércio e recebido certa quantia em dinheiro, porém, sem revelar o nome do comprador. Somente na manhã do dia seguinte que Antônio Dias mostraria a Tonico, entre os diversos fregueses da casa, quem era José Figueiredo.

Na terça-feira, 31 de agosto, Tonico esteve na mercearia, a convite de seu padrinho, para acompanhar o balanço das mercadorias que seriam repassadas a Figueiredo, onde permaneceu entre 19h e 21h. No dia seguinte, 1º de setembro, Tonico novamente esteve na taverna para conversar com seu padrinho sobre os valores de alguns produtos, a fim de que ele fechasse o balanço das estivas, e lá encontrou Figueiredo, já atuando como dono do estabelecimento comercial.

Antônio José Monteiro veio a saber do falecimento de Antônio Dias às 7h daquele 2 de setembro. Estava prestes a ir ao trabalho, quando foi avisado do ocorrido por um irmão seu, que levara o recado mandado por José Duque. Daí, partiu imediatamente para a mercearia, onde constatou a veracidade do infeliz acontecimento.

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Diário da Tarde, 03 de setembro de 1954.

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O DESAPARECIMENTO DE JOSÉ FIGUEIREDO

Passados dois dias do crime, os noticiosos locais já diziam que o assassinato de Antônio Dias cairia no esquecimento, sem qualquer solução das autoridades policiais, como mostra o “Diário da Tarde”:

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Continua sem solução, graças à desorientação da Polícia, o bárbaro crime da rua Taqueirinha. As divergências entre as várias Delegacias, querendo, de início, cada uma ufanar-se em ostentar os louros de uma vitória fácil, com a prisão do assassino que, para muitos, está perfeitamente identificado, complicou as coisas de tal modo que, já hoje, tudo parece difícil, encontrar-se o criminoso já é bicho de sete cabeças.

Por isso, verificando que o negócio deixou de ser fácil, os grandes investigadores resolveram acomodar as coisas, estabelecendo o trabalho em conjunto.

E assim irmanados, para que o fracasso repartido entre todos não lhes seja tão cruel, vão os argutos técnicos do Departamento Estadual de Segurança Pública trabalhar, depois que muitos e preciosos indícios já se perderam, depois que o tarado matador já se refez, já preparou suas respostas e o terreno para parecer convincente, já está enfim preparado para receber o bombástico interrogatório policial. (Diário da Tarde, de 4 de setembro de 1954).

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O caso ficou ainda mais intrigante quando o principal suspeito do crime da rua Taqueirinha – José Figueiredo – desapareceu, sem mais nem menos.

Na noite de 5 de setembro, por volta das 22h, em contato com a reportagem do jornal “A Crítica”, a esposa de Figueiredo informou que o mesmo estava ausente da residência desde às 10h desse dia, porque havia sido chamado para comparecer na sede da polícia.

Entretanto, segundo publicou esse matutino na edição de 6 de setembro, quando os repórteres procuraram as autoridades policiais para esclarecimentos sobre essa súbita intimação de Figueiredo para ir à delegacia, estranhamente, eles disseram que o cearense não estava preso e que, portanto, não sabiam do seu paradeiro.

O mais interessante é que, nessa mesma publicação, o noticioso deixa no ar que a polícia estava prestes a solucionar o assassinato de Antônio Dias. Aqui já existe uma mudança na postura do tratamento da imprensa com o trabalho policial. O que antes era tratado como incompetência, agora, já mudava de figura:

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A Polícia Civil está praticamente mobilizada por todos os seus setores especializados para a descoberta do monstruoso criminoso, desenvolvendo-se as investigações em diversos pontos da cidade no afã da descoberta.

Às últimas horas da noite de ontem, ao que a nossa reportagem conseguiu apurar, teria surgido uma nova pista que está sendo seguida com a máxima atenção pelas autoridades incumbidas das diligências.

Muito embora o inquérito esteja sob a presidência do comissário Cardoso, trabalham, também, auxiliando as investigações os comissários Ramiro Menezes e Felipe Kanawati, com grande número de investigações das 3 Delegacias da Capital.

Os subdelegados dos bairros, ao que sabemos, também cooperam ativamente nessas diligências. (A Crítica, de 6 de setembro de 1954).

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E agora? José Figueiredo fugiu? Foi sequestrado? Estava preso? Estava morto? Se não foi a polícia que o convocou para novas averiguações, para onde ele foi?

Ainda se passariam mais alguns dias até que o caso ganhasse surpreendentes reviravoltas. Dois assassinatos, vários suspeitos, muitos mistérios. Os próximos desdobramentos trariam novas cores aos crimes da rua Taqueirinha e da Alfaiataria Figueiredo.

Continua…

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Clique aqui para ler o artigo  José Osterne de Figueiredo: um grande azarado ou um assassino em série? (Parte I).

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