O que nasceu como luta por justiça virou um novo tipo de inquisição. A cultura woke, que antes prometia ampliar vozes, hoje mais cala do que escuta. Não com censura oficial — nada de toga ou tribunal — mas com um código social cada vez mais rígido, onde o julgamento é imediato e a condenação, pública.
No meio desse campo minado, as palavras deixaram de ser ponte pra virar armadilha. Quem se arrisca a pensar fora da caixinha, ainda que com respeito, corre o risco de virar alvo. O debate virou teste de pureza. E a pureza, convenhamos, virou espetáculo. Performar virtude virou requisito pra continuar em cena.
Tudo gira em torno de quem fala, e não mais do que é dito. A identidade virou senha moral: se você pertence ao grupo “certo”, ganha passe livre; se não, precisa andar em ovos. A experiência pessoal passou a ser uma espécie de atestado ético. E nesse jogo, quem não se encaixa vira suspeito — ou, pior, culpado.
Ambientes que deveriam ser caldeirões de ideias — universidades, redações, teatros — se tornaram vitrines emocionais. Ninguém quer correr o risco de desagradar. A discordância virou falta de empatia. A ambiguidade, crime de opinião. E o resultado é o mais previsível possível: empobrecimento da conversa pública e medo de errar até a vírgula.
No lugar da transformação real, a estética da bondade. Muda-se o nome de prédios, ajusta-se o vocabulário, pinta-se arco-íris na fachada. Mas a desigualdade segue firme, com os mesmos rostos e os mesmos números. A política virou gesto. A ética, marketing. Todo mundo sinalizando virtude — e pouca gente arregaçando as mangas.
É um moralismo à moda antiga com roupa de progressista. Quem discorda é rotulado. Quem questiona é “problemático”. E quem ousa ironizar? Heresia. O sofrimento virou trunfo, o desconforto alheio, agressão. A dúvida — essa danada que move qualquer ideia boa — passou a ser um risco. Pensar com nuances virou ousadia. E ousar, nesse cenário, é pedir pra ser queimado em praça digital.
Sim, a cultura woke veio de um lugar justo. Mas justiça que vira dogma deixa de ser justiça. E quando a ideia boa vira regra absoluta, o que era ponte vira muro. Em vez de incluir, isola. Em vez de ouvir, silencia. O desafio agora é resgatar o espaço da conversa franca — aquela que aceita o erro, acolhe o desconforto e entende que ninguém aprende com medo de falar.