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O fim do sonho da Província Rionegrina independente
Para estar sempre informada sobre todas as ocorrências no lugar-sede, Serpa mantinha na Barra um representante — o juiz de julgados —, que tinha poder de polícia urbana e suburbana e era escolhido pela própria câmara, para o mandato de um ano. Havia a necessidade de se acompanhar o dia a dia da Barra porque era o local onde ocorriam as decisões mais importantes e os principais acontecimentos da capitania/província.
Tanto é verdade, que a Câmara de Serpa, vez em quando, instalava-se no Lugar da Barra para deliberar acerca dos destinos políticos de São José do Rio Negro. Em 4 de abril de 1821, por exemplo, a Câmara de Serpa veio à Barra para jurar obediência à Constituição das Cortes de Lisboa, ao rei D. João VI e à junta governativa do Pará, cerimônia que ocorreu no dia 22 seguinte.
A eleição para as Cortes de Lisboa movimentavam o país àquela época. A primeira província brasileira a indicar seus representantes foi o Rio de Janeiro. No entanto, foram os deputados de Pernambuco os primeiros a tomarem posse na capital portuguesa, ainda em 1821.
Em São José do Rio Negro, a eleição aconteceu em 14 de janeiro de 1822, sendo escolhidos os deputados José Cavalcante de Albuquerque (titular) e João Lopes da Cunha (substituto), que entram para a nossa história política como nossos primeiros representantes federais eleitos pelo voto popular.
No mês seguinte, por meio do decreto de 16 de fevereiro, o príncipe regente D. Pedro I criou o Conselho de Procuradores Gerais do Brasil, que seria composto por representantes de todas as províncias brasileiras e que, reunidos na Corte do Rio de Janeiro, julgariam as leis advindas do Congresso português.
O Pará não acatou esta convocação e, para evitar que as notícias sobre a Independência do Brasil chegassem até a sua província subalterna, mandou reter todos os ofícios oriundos do Rio de Janeiro que fossem dirigidos às câmaras e ao governo do Rio Negro — bloqueio que, num futuro bem próximo, prejudicaria uma provável emancipação rionegrina quando do início do Brasil imperial.
Confiante na sua nova condição, a província do Rio Negro tratou de adaptar-se ao que orientava o decreto publicado em 1º de outubro de 1821. Em 3 de junho de 1822, foi organizada nova junta de governo, composta por cinco membros: Antônio da Silva Craveiro (presidente), Bonifácio João de Azevedo (secretário), Manoel Joaquim da Silva Pinheiro, Vicente José Fernandes e João Lucas da Cruz. No mês seguinte, em 2 de julho, esta nova junta prestou juramento à Constituição das Cortes portuguesas no lugar da Barra, tendo como local da cerimônia a Matriz de Nossa Senhora da Conceição.
Em ofícios remetidos pela junta governativa paraense ao ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino, Filippe Ferreira de Araújo e Castro, de 1º e 5 de agosto de 1822, nota-se o reconhecimento pelo Pará da legitimidade da Província do Rio Negro e a vontade em fazer com que as Cortes de Lisboa também aceitassem e sancionassem a elevação rionegrina, bem como a junta de governo aqui organizada em 3 de junho daquele ano.
E pelo que podemos intuir do texto da primeira versão da Constituição elaborada pelas Cortes, em seu artigo 20, Item II, em que são elencadas as províncias que compõem o “Reino do Brazil”, o Rio Negro foi listado como tal e encabeçava o rol. Porém, eis que surge a figura do deputado José Ricardo da Costa Aguiar de Andrada que, com apenas um discurso, mudou a situação da nossa província.
O deputado Aguiar — nome com o qual é mencionado em suas falas registradas no Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação portuguesa – elegeu-se ao Congresso português pela Província de São Paulo. Entretanto, quando da sua indicação para as Cortes, ele estava no Pará, onde residia há, aproximadamente, dez anos. Neste período, desempenhou vários cargos públicos naquela província, o que lhe possibilitava um bom conhecimento da realidade amazônica daquela época. Seu embarque para Lisboa ocorreu em 27 de abril de 1822, sendo empossado em 2 de julho.
Em 12 de agosto daquele ano, dia em que foi iniciada a revisão do projeto constitucional, Aguiar pediu a palavra logo após a leitura do artigo 20 supracitado, questionando a emancipação da Província do Rio Negro e apresentando justificativas para que as Cortes reparassem o “equívoco” contido no texto deste artigo:
“Como pela enumeração das províncias do Brasil, de que se faz menção neste artigo, observo que se considera o Rio Negro como uma província distinta, cabalmente separada, e independente da do Pará, julgo dever ponderar a este augusto Congresso que há nisto talvez algum engano, ou equivocação, porque até ao presente o Rio Negro foi sempre considerado como parte da província do Pará, dela depende, e tanto que os seus governadores foram sempre subordinados aos antigos generais, e ainda hoje o são ao governador das armas do Pará, e também à junta provisória do governo civil daquela cidade, naquelas matérias econômicas e administrativas que ainda estão ao cargo do governador, que com os ouvidores, provedores da fazenda e o competente contador formam no Rio Negro uma espécie de junta também dependente da do Pará e em tudo a ela subordinada. Isto posto, é preciso decidir-se, primeiro, se se deve reputar o Rio Negro como província diversa e independente do Pará, ou se deve ser considerada como parte da do Pará, continuando a estar a ela unida, e em tudo subalterna, porque do contrário, a passar o artigo tal qual está escrito, pode haver inconvenientes, conflitos de jurisdição e até grave transtorno ao serviço público, julgando-se aqueles povos desligados da obediência do Pará, por isso que aquela província (do Rio Negro) fica sendo uma nova província distinta, e diversa. Além de que seria também necessário estabelecer o andamento dos negócios públicos e particulares, criar uma junta provisória, como a do Pará, estabelecer uma força armada própria do Rio Negro, e sobretudo regular a administração e arrecadação da fazenda nacional de uma maneira diversa daquela ali estabelecida; o que tudo é matéria de ponderação, e nem mesmo foi ainda tomado em consideração se o Rio Negro se acha ou não em tais circunstâncias; em vista do exposto me parece não dever por ora considerar-se como província separada, e sim como unida ao Pará, denominando-se Província do Pará e Rio Negro, a fim de obstar e evitar os inconvenientes, de que acima fiz menção.”
Destaque-se que nesta data os representantes do Rio Negro ainda não haviam chegado a Portugal, portanto, nossa província ficou sem chances de contra argumentação ante as colocações de Aguiar. Inclusive, conforme consta no Diário das Cortes, mais ninguém se manifestou sobre o tema, seja apoiando ou criticando a ideia. Diante disto, a sugestão de reformulação no artigo 20 foi posta em votação, sendo aprovada com as seguintes alterações: “Pará e Rio Negro em lugar de Pará, Rio Negro (…).”. Estava oficialmente encerrado, naquele momento histórico, o sonho de uma Província Rionegrina independente.
Dois dias depois, falando às Cortes portuguesas sobre uma futura divisão eleitoral do Brasil, Aguiar defendeu a tese de que fosse instituída posteriormente uma lei que regulamentasse estas divisões, já que não havia subsídios estatísticos suficientes, o que poderia gerar desproporcionalidades. Nesta mesma fala, o deputado paulista apresentou o motivo para que o Rio Negro tivesse escolhido um representante ao Congresso português, em detrimento de o Pará ter elegido apenas dois:
“O que fica dito é particularmente aplicável às províncias pouco povoadas, e de uma grande extensão, onde não pode ter lugar, sem grave incômodo, trabalhos e despesas dos seus habitantes: (…) que cada divisão eleitoral não corresponda nem mais de seis, nem menos de três Deputados, porque a grande distância das povoações fará muito difícil, ou pelo menos trabalhosa, a execução desta determinação; esta foi a razão porque a vasta e extensa província do Pará, nas eleições passadas, foi dividida em duas, desmembrando-se dela a comarca do Rio Negro, que, apesar de não ter 30 mil almas, deu, contudo, um Deputado, cabendo, por isso, ao Pará somente dois.”
O bloqueio às correspondências vindas do Rio de Janeiro continuava. O decreto de 3 de junho de 1822, em que D. Pedro I convocava uma Assembleia Geral de Representantes das Províncias do Brasil, jamais chegaria ao Rio Negro. Em sessão ocorrida em agosto daquele ano, esta interceptação do governo paraense foi louvada nas Cortes de Lisboa pela:
“(…) firmeza de caráter, adesão e amor que manifestou à sagrada causa nacional por aquele seu patriótico procedimento e pela nobre energia com que soube resistir às criminosas sugestões do governo do Rio de Janeiro; e, outrossim, que a junta continue a deter os sobreditos ofícios enviados do Rio de Janeiro às câmaras da província, à junta de governo e mais autoridades do Rio Negro…”.
Como consequência deste impedimento, em 19 de junho de 1822, quando José Bonifácio de Andrada e Silva, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino do Brasil e Estrangeiros, emitiu a Decisão do Governo nº 57 — considerada como a primeira lei eleitoral a ser elaborada no Brasil — com as orientações para o processo eleitoral dos representantes das províncias brasileiras à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa que aconteceria no Rio de Janeiro, a então Província do Rio Negro foi omitida da convocação.
Nem mesmo como “Cabeça de Distrito” — localidades que serviriam para facilitar as reuniões dos eleitores — o Rio Negro foi selecionado, cabendo este destaque, na Província do Pará, somente a Belém, Vila Viçosa, Santarém, Barcelos, Marajó, Vila Nova da Rainha, Vila do Crato, Olivença e Cametá.
Em paralelo a estes acontecimentos, no dia 29 de agosto de 1822, em Lisboa, o deputado substituto eleito às Cortes portuguesas pelo Rio Negro, João Lopes da Cunha, tomou posse no Congresso lusitano. O titular, José Cavalcante de Albuquerque, ainda não havia conseguido embarcar para Portugal, porque estava doente. Em seu único pronunciamento registrado no Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação portuguesa, o substituto Lopes da Cunha fez uma indicação, reclamando da falta de moedas no comércio das províncias do Pará e Rio Negro:
“Uma das causas da decadência em que se acham as províncias do Pará, e Rio Negro é, sem dúvida, a falta de numerário. Esta falta nasce de que em todos os navios se exporta uma porção considerável de moedas de ouro e prata. Daqui resulta que todas as classes de cidadãos se acham com as mãos atadas para tentarem o aumento do seu cabedal, porque, tendo prontos todos os artigos, para tentarem qualquer negociação, acham encalhe quando se trata de haver dinheiro para a ultimar, por limitada que seja. Esta verdade é notória a todos os que têm freqüentado aquelas províncias. Os diversos efeitos produzidos por esta causa são sensíveis a todos, mas não irremediáveis.
O numerário é o representativo do que o homem faz uso. Esta verdade, de todos sabida, não carece de demonstração, todos conhecem que sem dinheiro não pode haver giro de comércio, indústria e os mais ramos que fazem florescente qualquer país. Para suprir esta falta, administra os meios esta presente indicação. Comprar cobre e cunhá-lo, tal é o remédio. Não é de agora, foi sempre naquelas províncias o numerário muito escasso, mesmo quando havia mais abundância de ouro e prata; mas, então, o pouco que havia fazia o giro do país, cresceu a população e o numerário experimentou desigualdade; franqueou-se o comércio, os estrangeiros levaram o ouro e prata para os seus países, paralisou inteiramente o giro pecuniário; o mesmo cobre foi transportado para o Maranhão por estrangeiros e nacionais. Uma arroba de cobre custará seis mil e quatrocentos réis, pouco mais ou menos, e cunhada a dita arroba de cobre pelo cunho e peso da moeda do país dá cinquenta mil réis, com pequena diferença para mais ou menos; logo, se o soberano Congresso permitir e ordenar que se faça a dita compra, ordenando se cunhe na casa da Moeda desta capital, dará vida àquelas agonizantes províncias.
Se a Fazenda Nacional de Lisboa puder fazer o adiantamento do cobre, fará justiça ao muito que se tem distinguido aquela província, a primeira do Brasil, que proclamando a nossa regeneração política, mostrou, e todos os dias mostra, uma firme adesão ao sistema constitucional. Este soberano Congresso bem o sabe, e a mesma fazenda nacional do Pará indenizará o Erário de Lisboa do valor do cobre que prestar.
Mas, se não o quiser, ou não puder fazer o dito adiantamento, então eu negociarei a quantia necessária a este fim, para assim fazer tão útil serviço. Não é levantar o valor à moeda, pois isso tem em política que dizer, isto é somente introduzir o numerário em um país, que o não tem; é dar vida àquela praça de comércio que tem pouco negócio, porque se acha só um representativo para fazer as suas transações. Deduzindo, se vê a utilidade que vão perceber aquelas províncias, e reciprocamente Portugal, pelos gêneros importados daquele país, e para se tirarem tantas utilidades só é preciso que o soberano Congresso diga ao Governo compre o dito cobre e o mande cunhar, que por esta primeira vez basta que sejam mil arrobas. Lisboa, 2 de Setembro de 1822. – João Lopes da Cunha, Deputado pelo Rio Negro.”
Pelo que se percebe na fala de Lopes da Cunha — de acordo com os grifos que fiz —, parece que o nosso representante não tinha ciência da fusão das duas províncias ocorrida no mês anterior. Ou então se fez de desentendido. Três semanas depois, em 23 de setembro, lá estava ele assinando a Constituição da Monarquia portuguesa. Ao todo, 141 deputados prestaram o juramento nesta data, sendo 34 advindos de treze províncias do Brasil: Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo e Rio Negro.
Entre o final de setembro e o início de outubro daquele ano, o deputado titular pelo Rio Negro, José Cavalcante de Albuquerque, enfim, chegou a Lisboa. Seu diploma de eleito foi entregue à Comissão de Poderes em 2 de outubro. No dia 10 seguinte, as Cortes expediram resolução ao substituto José Lopes da Cunha, informando-lhe de que deveria ceder a vaga a José Cavalcante.
O texto da resolução de convocação do titular também foi emitido naquele mesmo dia e já confirmava a nova situação administrativa da nossa ex-província independente: “As Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação portuguesa mandam convocar a V.Sa. para tomar neste soberano Congresso o exercício de Deputado para que foi eleito pela comarca e província de S. José do Rio Negro, pertencente à província do Grão Pará”. Dois dias depois, José Cavalcante assumiu sua cadeira como deputado rionegrino no Congresso português, fazendo, logo em seguida, o juramento à Constituição.
Em sessão de 24 de outubro, o deputado apresentou memória contendo exposição de motivos para a “ruína da província do Rio Negro do Grão Pará (…).”. E em 25, a Comissão de Fazenda aprovou uma solicitação sua em que pedia auxílio financeiro, pois, segundo justificou, não recebera da província o apoio suficiente para a sua viagem e estada em Lisboa, direito que o decreto de 18 de abril de 1821 lhe assegurava. Seu pedido seria atendido no início do mês seguinte, sendo-lhe repassado 115$200, como consta na relação dos pagamentos feitos pela tesouraria das Cortes.
Quanto ao substituto José Lopes da Cunha, as últimas menções a seu respeito no Diário das Cortes são de 28 de outubro e 2 de dezembro de 1822. O assunto era o mesmo: diante da chegada de José Cavalcante de Albuquerque, Lopes da Cunha questionava ao Congresso se podia regressar a sua província. Infelizmente, não temos subsídios para sabermos qual parecer foi emitido.
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