Ao juntar a linha de montagem Henry Ford criou a produção em massa ou em série e barateou os custos de fabricação de automóveis. Por isso teve o respeito de Lênin, Harvey Firestone, Thomas Edison, Trotski, Hitler e Mussolini. Sua autobiografia My life and work foi lida por Monteiro Lobato, que a traduziu e prefaciou. No Brasil a obra fez sucesso entre escritores, políticos e industriais. A derrubada da área escolhida para a construção do povoado começou em 1928. Assim, obedecendo a um planejamento, as casas foram construídas e as árvores plantadas. A maior parte da terra foi dividida milimetricamente e destinada aos seringais.
A Fordlândia atraiu pessoas de todas as partes em busca de emprego. Entretanto, a falta de mão-de-obra especializada transformou-se num problema crônico para a empresa, detalhe esse que perdurou por todos os dezoito anos de sua existência. Tanto isso é verdade que, em resposta aos anúncios, as pessoas se apresentavam sem levar em consideração a exigência de especialização. Além disso, metade delas, por falta de condições de saúde, não passava da fase do exame médico. Ainda como parte da crença de Ford de que “o lazer é uma parte essencial da economia”, a cidade também dispunha de gramados para a prática de golfe, quadras de tênis, piscina, clube e cinema.
A forma de pagamento dos funcionários era quinzenal, incomum naquela região do Brasil. Além disso, o salário era atrativo, ainda que inferior aos cinco dólares diários pagos aos trabalhadores nos EUA. Mas muito superior ao de outras cidades da região. Havia ainda um fator imponderável: as regras de trabalho
americanas. Uma sirene dividia o dia em dois turnos e estabelecia o horário de descanso. Relógios de ponto espalhados por todas as partes e proibição de bebida alcoólica nos limites da cidade. A rigidez desse hábito americano definitivamente não harmonizava perfeitamente com o jeito caboclo de viver. Tornando-se um fator desmotivador para os que lá moravam, ocasionando enorme turnover entre os trabalhadores. O jeitinho brasileiro para burlar a austeridade americana e obter cachaça contrabandeada vinha pelo rio, dentro de melancias. Do outro lado do Tapajós, próximo à Fordlândia, na então chamada “ilha dos inocentes” tudo era liberado, as festas animadas tinham bebidas alcoólicas e prostitutas que vinham de Santarém e Belém. Na beira do rio proliferavam casas de jogos, bordéis, bares e a lojas de mantimentos, todos em condições precárias de segurança e higiene.
Além da forma espartana de gestão não digerida pelos caboclos, havia então a questão da dieta alimentar estabelecida pelo próprio Ford, completamente diferente do habitual, além do sistema self service. Ford desconsiderou que para fazer um caboclo feliz, basta dar peixe, feijão e farinha.
O acúmulo de insatisfação chegou ao seu ápice em novembro de 1928, com a rebelião conhecida como “quebra-panelas”. “O conflito teve início no novo refeitório, uma estrutura de teto baixo, construída de metal, piche e amianto, mal ventilada que se assemelhava a um verdadeiro forno. Os administradores decidiram que os operários teriam de pagar pelas refeições, contrariando o que havia sido acordado no contrato. A dieta oferecida incluía farinha de aveia e pêssegos enlatados no desjejum, além de espinafre enlatado, arroz e trigo integral no jantar. A espera na fila era longa, pois os funcionários do escritório registravam o número dos distintivos dos operários.
“Em meio a gritos de “abaixo o espinafre”, colocaram os americanos para correr e então prometeram fazer greve”. “Armados de facões e machados, os trabalhadores invadiram e saquearam a cozinha e o depósito, além de ameaçarem os americanos”. “Os trabalhadores destruíram o prédio do escritório, a usina de força, a serraria, a garagem, a estação de rádio e a recepção, cortaram as luzes, atearam fogo nas oficinas, queimaram arquivos, saquearam depósitos e quebraram caminhões, tratores e carros”. “Quando estavam avançando para o bairro dos americanos (Vila Americana), estes então fugiram para a lancha.
Na manhã do dia seguinte, um destacamento militar do exército controlou assim a situação, e uma comissão dos trabalhadores apresentou uma lista de reivindicações que incluía: a escolha do local para as refeições dos solteiros. Permissão para frequentar bares. Criação de dormitórios mais cômodos; oferta de comida de melhor qualidade no refeitório; e suspensão do trabalho na chuva e dos exames periódicos e obrigatórios no hospital. A companhia reagiu com a demissão em massa (com poucas exceções), o fechamento de bares e bordéis e a expulsão dos moradores. Apesar de encontrar-se à venda, Fordlândia em ruínas não encontrou compradores.
A empresa reconstituiu sua força de trabalho e, em seis meses, admitiu 1.500 novos funcionários. Tais funcionários carregavam, obrigados, um livreto com foto, impressão digital do polegar e prontuário policial. Na cidade, onde circulavam carros Ford, surgiu um centro cívico. E, na rua principal, lojas como perfumaria, padaria, barbeiro, sapataria, alfaiataria, mercearias, açougue; mercados de verduras, legumes e peixes. Do então plano inicial de 400 moradias, ergueram-se inicialmente cem casas de adobe com teto de palha, servidas por água e eletricidade”.
Em 1930, a Fordlândia chegou a ter uma população de 2.500 habitantes, a metade da então população de Santarém na época. “Em 1933, já somavam 200 habitações com cobertura de metal revestido de
amianto e piso de concreto, extremamente quentes para o clima local. Cada família recebeu mil metros quadrados de terreno para plantar flores e verduras. A recreação para espantar o tédio, a solidão e a depressão tornou-se então assunto urgente. Abriram-se playgrounds para crianças, quadra de tênis, campo de golfe. Organizaram-se caçadas, times de futebol, corridas, lutas de boxe, show de variedades, leituras, festas de danças, concursos “para o melhor jardim”, além da projeção de filmes”.
Fonte: IDD