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6 de novembro de 2017 às 09:25.

IDD: Arthur Reis e a internacionalização da Amazônia (Série 1960)

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A reunião realizada no Ministério da Agricultura sob a presidência do ministro daquela pasta, Hugo de Almeida Leme, acendeu a luz de alerta. A assembleia que contou com a participação de representantes das Forças Armadas, do Banco de Crédito da Amazônia, da SPEVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia), do Ministério das Relações Exteriores e do embaixador dos Estados Unidos, professor Lincoln Gedon, apreciou o plano proposto por empresas norte-americanas, de criação de um organismo, sob a bandeira ianque na Amazônia. A ideia era a lavratura de um convênio entre o Ministério da Agricultura e a Academia de ciências de Washington, com o objetivo de colocar, sob a supervisão norte-americana, todos os órgãos oficiais da região amazônica. Também presente naquela reunião, o governador do Amazonas, professor Arthur César Ferreira Reis, renitente defensor da Amazônia, de pronto manifestou o seu veemente protesto. O assédio internacional o incomodou tanto, que assim que ele saiu do Ministério da Agricultura, foi direto ao Estado Maior das Forças Armadas e ao Conselho de Segurança Nacional, reiterar sua convicção contrária à proposta, convicção essa, já sobejamente exposta em seu livro “Amazônia e a cobiça internacional”, lançado naquele mesmo ano de 1965.

Em novembro do ano anterior, Arthur Reis já denunciara ao governo federal, a presença de um grupo de técnicos norte-americanos do Instituto Hudson, com sede em Washington, que penetrou o território brasileiro em embarcações provenientes da Colômbia e percorreu a Amazônia brasileira realizando pesquisas, sem as autorizações do governo federal e governo estadual. Pior, ao solicitar os relatórios finais dos estudos realizados pelos americanos, estes lhe foram negados. Desta vez o governador denunciava que empresas norte-americanas queriam “a partilha da Amazônia”. Sua posição era clara e firme, ele não permitiria “tal coisa em seu governo, pois além da exploração do solo, os americanos estão fazendo uma espécie de inventário no sentido de saber o que fazer amanhã com a finalidade de recuperar o que estão perdendo em outras áreas”.  Entendia o governador que o Brasil não era uma colônia e o inventario que se pretendia fazer da Amazônia, era um assunto de segurança nacional.

Sim, ele propugnava que a Amazônia deveria receber auxílios não só dos Estados Unidos, como também de outras nações, mas esses organismos deveriam ter chefia brasileira, autorizada pelo governo.  Absurdo seria aquiescer à proposta norte-americana de criação da Fundação de Pesquisas Tropicais, a qual seria subordinada ao Instituto Interamericano de Pesquisas Tropical, cuja sede deliberativa se localizava em Washington e a Junta Executiva, em Porto Rico. Em sua opinião seria a reedição – em termos ainda piores – do antigo projeto de criação de um Instituto Internacional da Hileia Amazônica, discutidos 16 anos antes, o qual provocou um vendaval de críticas contra as autoridades brasileiras de então. Para o governador, concordar seria estar em descordo com os legítimos interesses nacionais.

A reação de Arthur Reis, um dos principais responsáveis pela política nacional de valorização da Amazônia, com serviços prestados a vários governos há mais de 30 anos, suscitava uma nova campanha não xenófoba, mas nacionalista; democrática e não totalitária no País. A questão estava a exigir providências por parte do governo e pronunciamento de partidos políticos.

A posição do governador ganhou a solidariedade nacional, inclusive dos militares que, através do porta-voz do ministro da Guerra, declararam que os militares jamais concordariam com a intervenção estrangeira na Amazônia, pois a região se constituía em “patrimônio intocável que deve ser explorado, unicamente por brasileiros”.

Incansável em sua luta, Arthur Reis fez conferências no Instituto Militar de Engenharia, na praia Vermelha; na Escola Superior e Guerra; no Clube Naval; na Confederação da indústria, em Brasília; na Comissão de Valorização da Amazônia da Câmara dos Deputados e, finalmente, em encontro com o presidente Castelo Branco, o governador do Amazonas reiterou a sua negação quanto à proposta norte-americana, considerada “ousada, atrevida e arrogante”. Os ianques defendiam a necessidade de ação imediata, porque a pesquisa era vital e educação agrícola, extensão e pesquisa, eram o compromisso dos Estados Unidos.

O posicionamento do “estadista da Amazônia” era tão peremptório e convincente, que conseguia a adesão de políticos contrários, como os oposicionistas, senador Artur Virgílio Filho e o deputado federal, Bernardo Cabral, o único a votar contra a eleição indireta de Arthur Reis, quando apresentada pelo Marechal Castelo Branco.

Na Câmara Federal, o então deputado federal José Esteves, na ocasião presidente da Comissão Técnica de Valorização da Amazônia, depois de ouvir o governador na sessão especialmente convocada para aquele órgão, ocupou a tribuna e disse: “se o Brasil não se convencer de que na Amazônia há problema sério a exigir a sua ação equilibrada, enérgica, intensa, continuada e objetiva, um dia poderá ter o desprazer de saber que a Amazônia não lhe pertence mais”.

A verdade é que a nação despertou em defesa da Amazônia, e Reis publicamente ganhou a adesão do ministro da Guerra, do ministro do Interior, do chefe do Estado Maior do Exercito, do governador de São Paulo, Adhemar de Barros, da imprensa esclarecida, de estudantes, operários, intelectuais e figuras representativas da burguesia comercial e industrial brasileira. O governo brasileiro finalmente entendeu que o plano do Instituto Hudson poderia comprometer a segurança nacional e os interesses da pátria e desistiu do convênio.

Destaque-se que o jornal O Globo, pertencente ao circuito “Time-life” e o Jornal do Brasil, eram alinhados ao plano norte-americano, esse último, inclusive, em editoriais, classificou de “emocionalismo” e “primarismo” os temores de alienação da Amazônia.

Em dezembro de 1967, agora na condição de ex-governador, Arthur Reis voltou a defender a Amazônia, contrário a permissão de aquisição de imensos latifúndios pela United Fruit, empresa conhecida como provocadora de guerras e derrubadora de presidentes. A empresa havia transformado a Guatemala, Honduras e outras repúblicas centro-americanas, em dependências suas. “Não podemos guatemalizar a Amazônia, tampouco permitir que o Pentágono instalasse bases militares secretas na Amazônia, com vistas a III Guerra Mundial”.

Em 1968, em entrevista para a imprensa amazonense, Arthur Reis informou que vinte milhões de hectares do território brasileiro, incluindo dois municípios inteiros, já haviam sido vendidos a estrangeiros. Esses dados haviam sido apurados pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Federal. Dois milhões de hectares no Amazonas – em Nhamundá, Manaus e Itacoatiara -, um milhão de hectares em Roraima, incluindo o Pico da Neblina e, no Pará, cinco milhões de hectares, isso somente na Região Norte. Dada à gravidade da situação, informou Arthur, que a CPI exigiu do governo federal que as transações ilegais de venda de terras a estrangeiros fossem objeto de ações anulatórias urgentes. Essas transações ilegais ocorreram especialmente no Pará, Bahia e região Centro-Oeste, eram documentos com assinaturas falsas de pessoas sem escrúpulo, que enganaram estrangeiros. Isso, evidentemente, descaracterizava a ideia de efetiva transferência de domínio de terras em grande escala para cidadãos estrangeiros.

No fim daquela década, agora na condição de presidente do Conselho Nacional de Cultura, Arthur Reis, durante uma conferência em Belo Horizonte, a convite da Universidade Federal de Minas, declarou que finalmente o Brasil tinha uma política de Estado, resultado de uma consciência nacional que se criou em torno da Amazônia. Que a internacionalização da Amazônia já não mais representava um assunto exótico ou sensacional em qualquer região do País. E concluiu dizendo que nunca houve cogitação muito séria, no sentido de internacionalizar a Amazônia, houve ideias de elementos estrangeiros, de atuar de maneira estranha à soberania brasileira.

A tentativa de internacionalização, portanto, nunca teria passado do campo da suspeita. Será? O que de certo sabemos é que a Amazônia e seus quase 6,5 milhões de quilômetros quadrados abrigam a maior reserva de biodiversidade e a maior bacia hidrográfica do mundo, além, é claro, dos imensuráveis recursos minerais. Dessa imensa área amazônica, quase 4,2 milhões de quilômetros quadrados estão localizados em terras brasileiras. Ou seja, a maior parte do bioma e suas riquezas. E isso, indubitavelmente, sempre despertou a cobiça estrangeira.

Ao longo dos anos posteriores a década aqui tratada, frases de políticos e autoridades estrangeiras sobre a Amazônia são claras, objetivas e não deixam dúvidas: Margaret Thatcher, a ex-Primeira-Ministra da Inglaterra, por exemplo, disse: “Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas dívidas, que vendam suas riquezas, seus territórios e suas fábricas”; “O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia”, declarou François Mitterrand, ex-presidente da França, Paris; “Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós”, declinou Al Gore, Vice-Presidente dos Estados Unidos; “O Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre a Amazônia aos organismos internacionais competentes”, externou Mikhail Gorbachev, ex-chefe do governo da antiga União Soviético; “As nações desenvolvidas devem estender o domínio da lei ao que é comum a todos no mundo. As campanhas ecológicas internacionais que visam à limitação das soberanias nacionais sobre a região amazônica estão deixando a fase propagandística para dar início à fase operativa, que pode definitivamente ensejar intervenções militares diretas sobre a região”, declarou John Major, ex-Primeiro-Ministro da Inglaterra; “Os países em desenvolvimento com imensas dívidas externas devem pagá-las em terras, em riquezas. Vendam suas florestas tropicais”, disse George W. Bush, quando candidato à presidência dos Estados Unidos, em debate com Al Gore; “Só a internacionalização pode salvar a Amazônia”, frase dita durante a reunião do Grupo dos Cem, ocorrida na cidade do México; “A Amazônia é patrimônio da humanidade. A posse desse imenso território pelo Brasil, Venezuela, Colômbia, Peru e Equador é meramente circunstancial”, pensamento externado no Conselho Mundial das Igrejas Cristãs, em Genebra, Suíça.

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