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Arthur Reis e a internacionalização da Amazônia (Série 1960)

Articulista Durango Duarte - Arthur Reis e a internacionalização da Amazônia (Série 1960)

Na reunião, a ideia era a lavratura de um convênio entre o Ministério da Agricultura e a Academia de ciências de Washington.

A reunião realizada no Ministério da Agricultura sob a presidência do ministro Hugo de Almeida Leme, acendeu a luz de alerta. A assembleia que contou com a participação de representantes das Forças Armadas, do Banco de Crédito da Amazônia, da SPEVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia), do Ministério das Relações Exteriores e do embaixador dos Estados Unidos, professor Lincoln Gedon, apreciou o plano proposto por empresas norte-americanas, de criação de um organismo, sob a bandeira ianque na Amazônia.

A ideia era a lavratura de um convênio entre o Ministério da Agricultura e a Academia de ciências de Washington. Com o objetivo de colocar, sob a supervisão norte-americana, todos os órgãos oficiais da região amazônica. Também presente naquela reunião, o governador do Amazonas. O então professor Arthur César Ferreira Reis, renitente defensor da Amazônia, de pronto manifestou o seu veemente protesto. O assédio internacional o incomodou tanto, que assim que ele saiu do Ministério da Agricultura, foi direto ao Estado Maior das Forças Armadas e ao Conselho de Segurança Nacional, reiterar sua convicção contrária à proposta, convicção essa, já sobejamente exposta em seu livro “Amazônia e a cobiça internacional”, lançado naquele mesmo ano de 1965.

Em novembro do ano anterior, Arthur Reis denunciou ao governo federal a presença de técnicos norte-americanos do então Instituto Hudson, com sede em Washington. Esses técnicos entraram no território brasileiro em embarcações provenientes da Colômbia e percorreram a Amazônia brasileira realizando pesquisas sem autorização do governo federal e estadual. O pior foi que os americanos negaram acesso aos relatórios finais dos estudos quando foram solicitados.

Desta vez, o governador denunciava então, que empresas norte-americanas queriam “a partilha da Amazônia”. Sua posição era clara e firme, ele não permitiria “tal coisa em seu governo, pois além da exploração do solo, os americanos estão fazendo uma espécie de inventário no sentido de saber o que fazer amanhã com a finalidade de recuperar o que estão perdendo em outras áreas”. Entendia o governador que o Brasil não era uma colônia e o inventario que se pretendia fazer da Amazônia, era um assunto de segurança nacional

Sim, ele propugnava que a Amazônia deveria receber auxílios não só dos Estados Unidos, como também de outras nações, mas esses organismos deveriam ter chefia brasileira, autorizada pelo governo.  Absurdo seria aquiescer à proposta norte-americana de criação da Fundação de Pesquisas Tropicais, a qual seria subordinada ao Instituto Interamericano de Pesquisas Tropical, cuja sede deliberativa se localizava em Washington e a Junta Executiva, em Porto Rico. Em sua opinião seria a reedição – em termos ainda piores – do antigo projeto de criação de um Instituto Internacional da Hileia Amazônica, discutidos 16 anos antes, o qual provocou um vendaval de críticas contra as autoridades brasileiras de então. Para o governador, concordar seria estar em descordo com os legítimos interesses nacionais.

A reação de Arthur Reis, um dos principais responsáveis pela política nacional de valorização da Amazônia, era significativa. Com mais de 30 anos de serviços prestados a vários governos, ele suscitava assim, uma nova campanha nacionalista e democrática, não xenófoba ou totalitária. A questão exigia providências do governo e um pronunciamento dos partidos políticos.

A posição do então governador ganhou solidariedade nacional, inclusive dos militares. Através do porta-voz do ministro da Guerra, eles declararam que jamais concordariam então, com a intervenção estrangeira na Amazônia. Afirmaram que a região era um “patrimônio intocável que deve ser explorado unicamente por brasileiros”.

Incansável em sua luta, Arthur Reis fez conferências no Instituto Militar de Engenharia, na praia Vermelha; na Escola Superior e Guerra; no Clube Naval; na Confederação da indústria, em Brasília; na Comissão de Valorização da Amazônia da Câmara dos Deputados e, finalmente, em encontro com o presidente Castelo Branco, o governador do Amazonas reiterou a sua negação quanto à proposta norte-americana, considerada “ousada, atrevida e arrogante”. Os ianques defendiam a necessidade de ação imediata, porque a pesquisa era vital e educação agrícola, extensão e pesquisa, eram o compromisso dos Estados Unidos.

O posicionamento do “estadista da Amazônia” era tão peremptório e convincente que conseguia assim, a adesão de políticos contrários. Até oposicionistas, como o então senador Artur Virgílio Filho e o deputado federal Bernardo Cabral, apoiaram. Cabral foi o único a votar contra a eleição indireta de Arthur Reis, quando apresentada pelo então Marechal Castelo Branco.

Na Câmara Federal, o deputado José Esteves, presidente da Comissão Técnica de Valorização da Amazônia, ouviu o governador em uma sessão especial. Depois, ele ocupou a tribuna e declarou: “Se o Brasil não se convencer de que na Amazônia há um problema sério exigindo ação equilibrada, enérgica, intensa, continuada e objetiva, um dia poderá saber que a Amazônia não lhe pertence mais”.

A verdade é que a nação despertou em defesa da Amazônia, e Reis publicamente ganhou a adesão do ministro da Guerra, do ministro do Interior, do chefe do Estado Maior do Exercito, do governador de São Paulo, Adhemar de Barros, da imprensa esclarecida, de estudantes, operários, intelectuais e figuras representativas da burguesia comercial e industrial brasileira. O governo brasileiro finalmente entendeu que o plano do Instituto Hudson poderia comprometer a segurança nacional e os interesses da pátria e desistiu do convênio. Destaca-se que o jornal O Globo, pertencente ao circuito “Time-life”, e o Jornal do Brasil eram alinhados ao plano norte-americano. Este último, inclusive, classificou em editoriais os temores de alienação da Amazônia como “emocionalismo” e “primarismo”.

Em dezembro de 1967, agora como ex-governador, Arthur Reis voltou a defender a Amazônia. Ele se opôs à permissão de aquisição de imensos latifúndios pela United Fruit, empresa conhecida por provocar guerras e derrubar presidentes. A United Fruit havia transformado a Guatemala, Honduras e outras repúblicas centro-americanas em suas dependências. Reis afirmou: “Não podemos guatemalizar a Amazônia, nem permitir que o Pentágono instale bases militares secretas na região, com vistas à III Guerra Mundial”.

Em 1968, Arthur Reis informou à imprensa amazonense que estrangeiros já haviam comprado vinte milhões de hectares do território brasileiro.Essa área incluía então, dois municípios inteiros. A Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Federal apurou esses dados. Dois milhões de hectares no Amazonas – em Nhamundá, Manaus e Itacoatiara -, um milhão de hectares em Roraima, incluindo o Pico da Neblina e, no Pará, cinco milhões de hectares, isso somente na Região Norte. Dada à gravidade da situação, informou Arthur, que a CPI exigiu do governo federal que as transações ilegais de venda de terras a estrangeiros fossem objeto de ações anulatórias urgentes. Essas transações ilegais ocorreram especialmente no Pará, Bahia e região Centro-Oeste, eram documentos com assinaturas falsas de pessoas sem escrúpulo, que enganaram estrangeiros. Isso, evidentemente, descaracterizava a ideia de efetiva transferência de domínio de terras em grande escala para cidadãos estrangeiros.

No fim daquela década, agora na condição de presidente do Conselho Nacional de Cultura, Arthur Reis, durante uma conferência em Belo Horizonte, a convite da Universidade Federal de Minas, declarou que finalmente o Brasil tinha uma política de Estado, resultado de uma consciência nacional que se criou em torno da Amazônia. Que a internacionalização da Amazônia já não mais representava um assunto exótico ou sensacional em qualquer região do País. E concluiu dizendo que nunca houve cogitação muito séria, no sentido de internacionalizar a Amazônia, houve ideias de elementos estrangeiros, de atuar de maneira estranha à soberania brasileira.

A tentativa de internacionalização, portanto, nunca teria passado do campo da suspeita. Será? O que de certo sabemos é que a Amazônia e seus quase 6,5 milhões de quilômetros quadrados abrigam a maior reserva de biodiversidade e a maior bacia hidrográfica do mundo, além, é claro, dos imensuráveis recursos minerais. Dessa imensa área amazônica, quase 4,2 milhões de quilômetros quadrados estão localizados em terras brasileiras. Ou seja, a maior parte do bioma e suas riquezas. E isso, indubitavelmente, sempre despertou a cobiça estrangeira.

Ao longo dos anos posteriores à década aqui tratada, frases de políticos e autoridades estrangeiras sobre a Amazônia foram claras e objetivas. Margaret Thatcher, ex-Primeira-Ministra da Inglaterra, disse: “Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas dívidas, que vendam suas riquezas, seus territórios e suas fábricas”. François Mitterrand, ex-presidente da França, declarou: “O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia”. Al Gore, Vice-Presidente dos Estados Unidos, afirmou: “Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós”. Mikhail Gorbachev, ex-chefe do governo da antiga União Soviética, externou: “O Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre a Amazônia aos organismos internacionais competentes”.

As campanhas ecológicas internacionais para limitar as soberanias nacionais sobre a Amazônia estão avançando da fase propagandística para a operativa. Isso pode levar a intervenções militares diretas na região, declarou John Major, ex-Primeiro-Ministro da Inglaterra. George W. Bush, quando candidato à presidência dos EUA, disse em debate com Al Gore: “Os países em desenvolvimento com imensas dívidas externas devem pagá-las em terras e riquezas. Vendam suas florestas tropicais”. Durante a reunião do Grupo dos Cem, no México, foi dito: “Só a internacionalização pode salvar a Amazônia”. No então Conselho Mundial das Igrejas Cristãs, em Genebra, Suíça, foi externado o pensamento: “A Amazônia é patrimônio da humanidade. A posse desse imenso território pelo Brasil, Venezuela, Colômbia, Peru e Equador é meramente circunstancial”.

Fonte: IDD

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