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Antes de iniciarmos a terceira parte do caso José Figueiredo, eis um resumo do que já foi escrito até aqui. Entretanto, se você quiser ler na íntegra os outros textos que nós já publicamos sobre o tema, basta clicar neste link para ler o artigo José Osterne de Figueiredo: um grande azarado ou um assassino em série? (Parte I) e neste link para ler o artigo José Osterne de Figueiredo: um grande azarado ou um assassino em série? (Parte II).
Vamos lá…
José Osterne de Figueiredo, comerciante cearense radicado em Manaus, cidade onde se casou com dona Maria do Perpétuo Socorro Oliveira. Era proprietário da Alfaiataria Figueiredo, localizada na rua Joaquim Sarmento, Centro.
À época dos acontecimentos narrados anteriormente, residia na avenida Eduardo Ribeiro, na famosa Pensão Maranhense, estabelecimento comercial que também lhe pertencia. Após o homicídio ocorrido dentro de sua alfaiataria, decidiu vendê-la e, em seguida, comprou a mercearia do português Antônio Dias, na rua Taqueirinha.
Nos anos 1950, viu seu nome estampar as manchetes dos noticiosos da capital amazonense, nas circunstâncias de dois assassinatos: do biscateiro Anacleto Gama, seu funcionário, e do taberneiro Antônio Dias, dono do comércio que ele adquirira.
Para muitos, dadas as diversas coincidências entre uma morte e a outra, ele era o principal suspeito. Para alguns órgãos da imprensa, um assassino contumaz disfarçado. E para a polícia, José Figueiredo, fosse culpado ou inocente, era um problema que precisava ser resolvido a qualquer custo, já que a imagem da instituição policial estava sendo achincalhada diariamente pelos diários locais. E é nesse contexto que ele desaparece da cidade, deixando no ar várias interrogações.
Porém, antes de adentrarmos no desaparecimento de Figueiredo, que fim teria levado a chave do cofre do português Antônio Dias, que desaparecera da cena do crime? Era neste cofre que o comerciante guardava o apurado diário da mercearia e onde, possivelmente, estava guardado também o dinheiro da venda da taverna.
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Antônio Germano Dias possuía em seu estabelecimento comercial um antigo cofre português, mas, o molho de chaves que a vítima costumava guardar em seus bolsos não foi encontrado em seu comércio quando a polícia realizou as primeiras averiguações no local do crime.
José Figueiredo, em depoimento à polícia, disse que, no dia anterior à morte de Antônio Dias, este chegou a lhe oferecer as chaves da taverna e do cofre. Porém, Figueiredo afirmou não ter ficado com nenhuma das duas.
Na mercearia, além do cofre, havia ainda diversas gavetas, também trancadas, nas quais as autoridades policiais presumiam estarem o dinheiro (Cr$ 54 mil) e o cheque (Cr$ 46 mil) que o cearense disse ter repassado a Antônio Dias pela compra do comércio.
Nas declarações de Pedro Vicente do Nascimento, ex-amante de Antônio Dias, ele desconfiava que o senhor Marino Silva também conhecia o segredo que abria o cofre, pois já o tinha visto muitas vezes recebendo dinheiro das mãos do português, que deixava o cofre à mostra para Marino. Mas aí poderia haver também uma questão pessoal de ciúmes de Pedro Vicente, que achava que Antônio Dias mantinha relações com Marino Silva.
Marino Silva, por sua vez, depôs duas vezes na delegacia, sendo que na segunda foi para falar somente da tal chave do cofre, declaração que acabou por complicar a vida de José Figueiredo. Segundo Marino, na manhã do descobrimento do assassinato, em conversa com Figueiredo, ele ouviu a seguinte afirmação do cearense:
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“Veja como eu estou sem sorte, ainda ontem ele me entregou a chave do cofre e quis me entregar a chave da porta. Entretanto, a chave da porta eu não aceitei e deixei em cima do balcão, acrescentando mais, que o senhor Antônio Dias teria feito um embrulho do dinheiro e ido para a rua, a fim de guardar em outro cofre”. (Auto de Declarações de Marino Silva, colhido pela polícia no dia 5 de setembro de 1954)
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Diante de tal denúncia, no dia seguinte, o comissário Manuel Cardoso, presidente do inquérito, convocou Marino e Figueiredo para uma acareação, sendo que o segundo negou terminantemente ter ficado com a chave do cofre e deixado a da porta.
Neste mesmo dia 6 de setembro, foi realizado também o arrombamento do cofre. Participaram, além do próprio comissário, o delegado de Segurança Pessoal, Eduardo Bentes Guerreiro, o juiz da Vara da Família, Adelino de Melo Costa, o juiz de Órfãos, Ausentes e Interdito, Cassio Dantas, o subprocurador fiscal do Estado, Júlio de Carvalho Filho, o vice-cônsul de Portugal, Moisés Figueiredo da Cruz, além das testemunhas Joaquim Antônio da Rocha Andrade, Caupolican Padilha e Almir Diniz de Carvalho.
Segundo a perícia, o cofre de ferro era estilo português, pintado com tinta a óleo verde, e possuía três segredos, que iam da letra A a Z. Suas dimensões eram de 43,5 cm de largura; 38,3 cm de fundo; 1m04cm de altura, incluindo a base, e 49,5 cm de altura do cofre propriamente dito.
Em relação a valores, além de Cr$ 34,90 guardados em uma gaveta de madeira localizada na armação inferior do cofre, em seu interior foram encontradas as seguintes quantias:
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(Cr$ 700,00) SETECENTOS CRUZEIROS, em notas de cinco e dez cruzeiros; (Cr$ 17.000,00) DEZESSETE MIL CRUZEIROS, em notas de hum mil cruzeiros; (Cr$ 1.500,00) HUM MIL E QUINHENTOS CRUZEIROS, em notas de cinco, dez e vinte cruzeiros; (Cr$ 9.000,00) NOVE MIL CRUZEIROS em notas de duzentos, cem, quinhentos e hum mil cruzeiros; (Cr$ 1.700,00) HUM MIL E SETECENTOS CRUZEIROS, em notas de cinco, dez, cincoenta, cem e duzentos cruzeiros; (Cr$ 336,00) TREZENTOS E TRINTA E SEIS CRUZEIROS, em notas de dois, cinco, dez e vinte cruzeiros; (Cr$ 99,50) NOVENTA E NOVE CRUZEIROS E CINCOENTA CENTAVOS, em moedas corrente no País e uma nota de dois cruzeiros, perfazendo um total de (Cr$ 30.335,50) TRINTA MIL TREZENTOS E TRINTA E CINCO CRUZEIROS E CINCOENTA CENTAVOS; (1) um cheque número (L-001898) L-ZERO, ZERO MIL OITOCENTOS E NOVENTA E OITO, no valor de (Cr$ 46.000,00) QUARENTA E SEIS MIL CRUZEIROS, expedido por José Marques Ramos ao portador, contra Bank of London South American Limited, datado de vinte e oito de Agosto de mil novecentos e cincoenta e quatro; (7) SETE notas Promissórias no valor de (Cr$ 5.000,00) CINCO MIL CRUZEIROS cada, num total de (Cr$ 35.000,00) TRINTA E CINCO MIL CRUZEIROS; uma Apólice de Seguro contra incêndio, sob número (129.761) CENTO E VINTE E NOVE MIL SETECENTOS E SESSENTA E UM, expedida pela Companhia Oceânica; (1) um recibo fornecido pela Companhia Oceânica no valor de (Cr$ 1.088,10) HUM MIL OITENTA E OITO CRUZEIROS E DEZ CENTAVOS; uma camisa para “Petromax” de quinhentas velas; (1) UM talão da Manaus Tramways and Light Co. Ltd. de depósito de luz, no valor de (Cr$ 200,00) DUZENTOS CRUZEIROS; uma declaração de aviso prévio de Serafim Cipriano Pereira, selado com estampilhas federais no valor de (Cr$ 2,50) DOIS CRUZEIROS E CINCOENTA CENTAVOS, sem data e assinatura; (1) UM registro de emprego de Serafim Cipriano Pereira. (Auto de Arrombamento do cofre de Antônio Dias, de 6 de setembro de 1954).
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Todos os valores e documentos encontrados dentro do cofre foram apreendidos pela polícia.
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Como já falamos anteriormente, em meio ao processo investigativo da morte de Antônio Dias, a polícia sofria com a zombaria dos veículos de imprensa de Manaus por causa de uma possível ineficiência policial em solucionar o assassinato. Até porque, para uma parte dos noticiosos, o criminoso já era conhecido:
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Cinco dias decorridos do bárbaro crime da rua Taqueirinha, em que foi impressionantemente assassinado o comerciante português Antônio Dias e a Polícia ainda não conseguiu descobrir uma pista segura que a leve ao perigosos criminoso que, pelo que tudo indica é o mesmo que matou Anacleto Gama, na alfaiataria Figueiredo, há 6 meses atrás e até hoje não conhecido.
Perdura no seio da opinião pública a suspeita sobre José Figueiredo, que foi patrão de Anacleto Gama e que estava em transações comerciais com Antônio Dias.
Todavia, não obstante os esforços dispendidos pelas autoridades a quem está afeto o bárbaro crime, nada se pôde conseguir, até hoje, que corrobore as suspeitas que envolvem Figueiredo. (A Crítica, de 6 de setembro de 1954).
[/vc_column_text][vc_column_text]Mesmo assim, o dito jornal deixou no ar que o crime estava prestes a receber revelações. Seria o tal faro jornalístico ou apenas a edição mandando energias positivas para que o caso fosse solucionado? Fato é que a matéria prenunciava novidades:[/vc_column_text][vc_column_text]
A Polícia Civil está praticamente mobilizada por todos os seus setores especializados para a descoberta do monstruoso criminoso, desenvolvendo-se as investigações em diversos pontos da cidade no afã da descoberta.
Às últimas horas da noite de ontem, ao que a nossa reportagem conseguiu apurar, teria surgido uma nova pista que está sendo seguida com a máxima atenção pelas autoridades incumbidas das diligências.
Muito embora o inquérito esteja sob a presidência do comissário Cardoso, trabalham, também, auxiliando as investigações os comissários Ramiro Menezes e Felipe Kanawati, com grande número de investigações das 3 Delegacias da Capital.
Os subdelegados dos bairros, ao que sabemos, também cooperam ativamente nessas diligências. (A Crítica, de 6 de setembro de 1954).
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E por onde andava o nosso personagem principal, José Figueiredo? Estranha e coincidentemente, no dia 5 de setembro de 1954, sua esposa, dona Maria do Perpétuo Socorro Oliveira, em conversa com os repórteres de A Crítica, queixou-se de que o marido estava desaparecido, conforme foi publicado:
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Cerca das 22 horas de ontem a nossa reportagem foi informada pela própria esposa de José Figueiredo que desde as 10 horas de ontem, o mesmo estava ausente de sua casa, por ter sido chamado à Polícia.
Entretanto alegam as autoridades que Figueiredo não está preso não podendo, portanto, informarem o seu paradeiro.
Face a essa situação, a esposa de Figueiredo contratou o dr. Aristofanes de Castro para defendê-lo, estando esse causídico empenhado em impetrar um pedido de “habeas corpus” em favor de seu constituinte.
Ao que sabemos, a prisão de Figueiredo teria sido determinada ante o desenvolvimento das diligências, para as quais é necessária a sua presença para melhor orientação dos trabalhos elucidativos do bárbaro crime. (A Crítica, de 6 de setembro de 1954).
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E aí? A Polícia dizia que não sabia onde ele estava. O jornal falava que ele havia sido preso para averiguações. Quem falava a verdade? Nesse disse me disse, mais um dia se passaria sem ninguém saber do paradeiro de Figueiredo, desaparecido que estava desde a manhã do dia 5.
No amanhecer do dia 8 de setembro, a edição de A Crítica praticamente preparou os manauaras para a solução do homicídio de Antônio Dias. Aqui, fazemos questão de publicar a matéria em sua íntegra, a fim de que você mesmo tire suas conclusões da abordagem profética com que o matutino tratou do desaparecimento de Figueiredo e da quase resolução do caso:
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O monstruoso crime da rua Taqueirinha, quando foi assassinado o comerciante Antônio Dias, ainda não foi solucionado, mau grado os esforços da Polícia nesse sentido.
Desde a descoberta do crime que foi considerado como suspeito número 1 o cidadão José Figueiredo, proprietário da Pensão Maranhense, à avenida Eduardo Ribeiro, e ex-proprietário da alfaiataria Figueiredo, onde, no princípio do corrente ano, ocorreu o assassinato de Anacleto Gama, seu empregado, crime esse que apresenta as mesmas características do crime da rua Taqueirinha.
A opinião pública quis ver nessa coincidência a prova de que José Figueiredo é autor de ambos os crimes, pelo que, não tendo a Polícia colhido elementos comprobatórios, passou a julgá-la ineficiente e parcial.
A nossa reportagem, dentro da ética, vinha acompanhando, com o devido interesse, os passos de Figueiredo, no intuito de melhor esclarecer a situação.
Acontece, porém, que desde às 10 horas do dia 5 do corrente, Figueiredo desapareceu misteriosamente, após ter sido chamado a comparecer à Polícia para prestar novas declarações. Desde então, não obstante os trabalhos exaustivos da equipe de A CRÍTICA, dia e noite, ainda não se pode localizar o paradeiro do suspeito.
Durante toda a noite de anteontem para ontem, a nossa reportagem esteve em campo, percorrendo todas as subdelegacias da capital sem colher indicações da presença de Figueiredo em qualquer delas. Essa investigação serviu, unicamente, para comprovar o estado de desorganização que reina na nossa Polícia, pois que, a não ser a subdelegacia de Adrianópolis, as demais estavam abandonadas, sem ao menos um guarda para atender à reportagem.
A verdade, porém, é que, pelo que tudo indica, Figueiredo está em local só conhecido da Polícia. Aliás, com muito esforço, conseguimos apurar que está sendo interrogado dia e noite pelos comissários Ramiro Menezes, Manoel Cardoso, Felipe Kanawati e Renato Morais, encontrando-se com o sistema nervoso bastante abalado.
Perdura, entretanto, a negativa da Polícia quanto ao conhecimento do paradeiro de Figueiredo.
Em conversa com as autoridades policiais, a nossa reportagem nada de positivo colheu a respeito. Somente insinuações de que quando Figueiredo apareça, seja para esclarecer completamente o hediondo crime.
Entretanto, pelo que tudo indica, dentro de breves horas teremos sensacionais notícias sobre o caso. (A Crítica, de 8 de setembro de 1954).
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O último parágrafo da matéria é emblemático, como se anunciasse as cenas dos próximos capítulos de uma novela.
Ao que tudo indica, conforme o próprio jornal publicara, José Figueiredo foi “desaparecido” pela polícia desde quando saiu de casa para depor na delegacia, o que nos induz à ilação de que houve, praticamente, um sequestro do suspeito, levado por investigadores para local desconhecido, onde permaneceu escondido, do dia 5 ao dia 8 de setembro, para que pudesse falar “a verdade”. Seria a Gestapo alemã em plena “Barelândia”?
Ainda sem saber onde seu marido se encontrava, dona Maria do Perpétuo Socorro tratou de contratar o advogado Milton Asensi para aplicar os remédios jurídicos cabíveis. O causídico entrou logo em contato com o corregedor de Justiça para falar sobre o assunto. E já estava com o pedido de habeas corpus preparado para José Figueiredo, assim que este aparecesse.
E ele apareceu…
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Ainda era o início do entardecer de 8 de setembro, quando os noticiosos vespertinos começaram a circular pela cidade. Manaus vivia a expectativa sobre o possível epílogo do assassínio do comerciante português Antônio Germano Dias, já que o principal suspeito, o cearense José Osterne de Figueiredo, estava em poder da polícia há quase três dias seguidos, sob interrogatório.
Os próprios matutinos publicados pela manhã do dia 8 já “pressagiavam” um “final feliz” para o caso. E não deu outra… Eis o culpado! José Figueiredo se declarou réu confesso do assassinato de Antônio Dias e também de Anacleto Gama.
Os jornais festejavam a solução do crime e se autopromoviam como os que sempre estiveram na dianteira das investigações. “A Crítica” lançou até uma edição extraordinária naquele dia, somente com a confissão de Figueiredo. Já o “Diário da Tarde” dedicou praticamente toda a sua capa para o cearense, com fotos da reconstituição do crime, realizada na própria manhã do dia 8.
Ou seja: se, em determinado momento, Figueiredo saiu de cena misteriosamente, quando voltou, já foi confessando os crimes e com a completa reconstituição do homicídio de Antônio Dias. Que trabalho excelente o da nossa polícia que, com tamanha eficiência, davam um cala a boca nas críticas da opinião pública.
E não podemos nos esquecer de mencionar a ótima cobertura jornalística de alguns impressos, que mal sabiam onde estava Figueiredo, mas já publicaram edições especiais no mesmo dia em que foi feita a reconstituição. Rapidez em prol da informação.
De acordo com o próprio auto de declarações, a confissão foi realizada a 1h45 da madrugada do dia 8 de setembro, não na Central de Polícia, nem em qualquer delegacia, mas, na casa de um tal Jean José do Amaral, na rua Duque de Caxias. O local teria sido escolhido pelo próprio José Figueiredo, em comum acordo com seu advogado Milton Asensi. Sobre o motivo dessa sugestão não há nenhuma justificativa.
Participaram como testemunhas, além do comissário Manuel Cardoso e do escrivão, o senhor Sebastião Lopes de Oliveira e a senhora Lucinda Gusmão da Silva, escolhidos sem qualquer critério que apareça descrito nos autos. Ao todo, a confissão de José Figueiredo contém sete laudas nas quais ele assume, primeiro, a autoria do crime da sua alfaiataria, depois, o assassinato da rua Taqueirinha.
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Sobre a morte de Anacleto Gama, em sua confissão à polícia, Figueiredo disse que no início do mês de outubro de 1953 ele se encontrou com um tal Manoelzinho, no botequim Primeiro de Maio, para combinar o assalto à sua alfaiataria na Joaquim Sarmento, já que se encontrava muito endividado.
Ele sabia que Anacleto dormia na alfaiataria, por isso, também combinou com esse Manoel de tal a morte do seu funcionário. Para assassinar o biscateiro, José Figueiredo utilizou um pedaço de ferro quadrado, com aproximadamente 60 cm de comprimento, que escondera junto à porta do seu estabelecimento, em pé, encostado a parede. Inclusive, essa barra de ferro tinha sido comprada por ele na oficina do senhor José Isaac, situada ao lado do Moinho de Ouro.
Os dois acertaram ainda que os cortes de tecidos que estavam no estabelecimento seriam dados a Manoelzinho.
O horário, a data e o ponto de encontro escolhidos para irem à alfaiataria foi a 1h da madrugada do dia 2 de outubro, nas esquinas das ruas Joaquim Sarmento e Henrique Martins. O criminoso aguardou sua esposa dormir e, na hora indicada, levantou-se e saiu sem que dona Olívia percebesse.
Manoelzinho já o aguardava na esquina da Loja Melindrosa. Ao se encontrarem, partiram para a alfaiataria e, lá chegando, Figueiredo bateu à porta e chamou por Anacleto, que veio atendê-lo, conforme consta nos autos:
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Que Anacleto abrindo a porta, o declarante viu que o mesmo se achava nu e, quando dava-lhe a costa, o declarante aplicou em Anacleto uma pancada com o ferro na cabeça; Que Anacleto, virando-se para se agarrar com o declarante, este desferiu-lhe outra pancada na testa; Que com esta segunda pancada Anacleto caiu ao chão, tendo o declarante ainda lhe desferido uma ou duas pancadas com o ferro, na mesma região. (Auto de Declarações de José Osterne de Figueiredo, de 8 de setembro de 1954).
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Em uma das vezes que levantara o ferro para acertar Anacleto, Figueiredo chegou a atingir e quebrar uma lâmpada elétrica. Após os golpes recebidos, o corpo de Anacleto ficou caído com o peito para baixo, estendido, com a cabeça para o lado da loja Melindrosa e os pés para o lado da Tipografia Phenix. Figueiredo disse não se lembrar se Anacleto deu algum gemido por ocasião das pancadas.
Morto o funcionário, José Figueiredo pegou mais ou menos uns dez cortes de fazenda – entre tropical, linho e casemiro -, que eram para a confecção de roupas de seus clientes, e os entregou a Manoelzinho, que estava aguardando na porta da alfaiataria. Sobre as manchas de sangue que foram encontradas em seu sapato de cor marrom, o réu confesso disse que, antes de Anacleto Gama vir lhe abrir a porta, tratou de arregaçar as pernas da sua calça para que não as sujasse.
Ao deixar o local do crime, ele saiu e encostou a porta, levando consigo o ferro utilizado para o assassínio. Jogou-o em um bueiro, mas não sabia dizer exatamente se foi na vala que se localizava na esquina da Loja Melindrosa ou na que ficava em frente à Livraria Acadêmica.
No dia seguinte ao crime, Figueiredo foi ao mercado normalmente, para fazer as compras para a Pensão Maranhense. E aqui abrimos um parêntese: descobrimos que ele não era dono da Pensão Maranhense, pois, neste trecho de sua confissão, ele diz que a pousada era de propriedade de sua sogra, dona Maria Verônica de Oliveira, mãe de dona Olívia.
De volta à pensão, por volta das 8h da manhã ele recebeu um telefonema da Alfaiataria Demasi, sendo avisado por Sebastião Boneleiro que havia um homem morto dentro da sua Alfaiataria Figueiredo, porém, “Sabá” não lhe informou o nome da pessoa encontrada.
Ao chegar ao seu estabelecimento comercial e se deparar com o corpo de Anacleto, dissimuladamente, comportou-se com espanto e surpresa, a fim de não levantar qualquer suspeita. E sobre o fato de ter indenizado, ele próprio, os clientes que tiveram seus tecidos surrupiados, foi para despistar a polícia, parta que pudesse ver seu crime hediondo entrar para o rol dos insolúveis.
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Após se declarar o autor do assassinato de Anacleto Gama, José Osterne de Figueiredo continuou seu depoimento e passou a contar os detalhes de como matou o comerciante Antônio Germano Dias. Segundo o declarante, assim que foi para sua casa ao fim de seu primeiro dia como dono da mercearia, ele já maquinava o homicídio do português.
Mais uma vez de forma sorrateira, ele aguardou todos os moradores da Pensão Maranhense dormirem para sair furtivamente de casa, por volta de 1h da madrugada do dia 2 de setembro de 1954, ainda com a roupa que estava dormindo.
Desceu a Eduardo Ribeiro, dobrou na Henrique Martins, pegou a Joaquim Sarmento, cruzou a avenida Sete de Setembro, passou pela Praça 15 de Novembro (da Matriz), foi pela Visconde de Mauá, até chegar à esquina da rua Taqueirinha, logradouro onde se localiza a mercearia, que também servia de residência para Antônio Dias.
O comerciante estava dormindo quando Figueiredo chegou. O cearense bateu à porta e ouviu Antônio Dias perguntar quem era, ao qual, de pronto, ele respondeu: “É Figueiredo!”. Dias, então, abriu-lhe a porta. Figueiredo disse ao taberneiro que estava ali porque precisava de uma garrafa de álcool, visto que sua esposa estava doente.
José Osterne afirmou que o português estava vestido apenas com uma calça, e que ele convidou Antônio Dias a beberem uma cerveja. De acordo com o depoimento, após o fim da bebida, o comerciante chamou Figueiredo para manterem relação sexual:
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Que o declarante, abrindo a [geladeira] “Frigidaire”, retirou uma garrafa de cerveja e, abrindo-a, deu um copo para o senhor Antônio Dias, bebendo o restante; Que, depois de beber a primeira cerveja com o senhor Antônio Dias, este lhe convidou para a prática da pederastia, que foi aceita pelo declarante; Que o senhor Antônio Dias, untando o membro do declarante, o colocou no seu ânus. (Auto de Declarações de José Osterne de Figueiredo, de 8 de setembro de 1954).
[/vc_column_text][vc_column_text]Prosseguindo com a confissão, José Figueiredo explicou todos os detalhes de como assassinou o taberneiro:[/vc_column_text][vc_column_text]
Que o senhor Antônio Dias, voltando ao leito, o declarante tirou outra garrafa da “Frigidaire” e ficou bebendo; Que, quando o declarante deu a cerveja para Antônio Dias, notou que este se achava alcoolizado; Que, passados uns dez minutos, o declarante lançou mão do macete de madeira que estava no interior do balcão e, descalço, se dirigiu ao aposento do senhor Antônio Dias, subindo uma pequena escada que dá acesso ao mesmo; Que, ao se deparar com o senhor Antônio Dias, verificou que este senhor estava deitado na cama, nu, com a cabeça voltada para o lado da escada, em decúbito abdominal, já dormindo; Que, sabendo que o senhor Antônio Dias estava embriagado, acendeu a lâmpada que fica sobre a referida cama, e como o mesmo não despertasse, com o macete que tinha na mão, desferiu uma forte pancada na cabeça do senhor Antônio Dias, à altura do alto da cabeça; Que, neste momento da primeira pancada, o senhor Antônio Dias se achava de costas para o declarante e, ao ser atingido, virou-se um pouco de ventre para cima, tendo o declarante desferido outro golpe na testa do mesmo senhor e outra mais no lado esquerdo da cabeça; Que devido o senhor Antônio Dias ficar se mexendo, o declarante pegou o travesseiro e, colocando sobre o rosto da vítima, o sufocou, retirando sua mão quando o senhor Antônio Dias já se achava morto, deixando o travesseiro cobrindo o seu rosto. (Auto de Declarações de José Osterne de Figueiredo, de 8 de setembro de 1954).
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Sobre o objeto utilizado para desferir os golpes, Figueiredo disse não se lembrar onde deixara o tal macete. E a respeito do cofre, o assassino contou que encontrou a chave do mesmo sobre uma mesinha próxima à cabeceira da cama. Em seguida, apagou a lâmpada do quarto de Dias e desceu para abrir o cofre a fim de retirar o dinheiro que estava guardado. Entretanto, ele não conseguiria atingir seu objetivo:
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Que, colocando a chave, mexeu no segredo do cofre, tendo antes lançado mão de um maço de vela e, retirando uma, acendeu, colocando-a sobre um depósito para lhe facilitar a visão; Que, depois de uns quinze minutos que lutara para abrir o cofre, não conseguindo, desistiu, levando a chave consigo; Que, procurando a porta pela qual entrara e que estava encostada – e que é a mesma que corresponde com o aposento da vítima -, por ela saiu, tendo o cuidado de colocar a tranca pelo lado de dentro, escorando-a; Que, saindo, o declarante pegou a rua Visconde de Mauá e, descendo até à beira do rio, jogou a chave do cofre na água, com a respectiva corrente. (Auto de Declarações de José Osterne de Figueiredo, de 8 de setembro de 1954).
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Consumada a morte e frustrado o roubo, José Figueiredo retornou à sua casa pelo mesmo itinerário que viera. Chegou por volta das 2h30 e, como possuía a chave da sua residência, entrou sem ser visto por ninguém. Na manhã seguinte, foi ao mercado por volta das 5h e, depois, à mercearia, por volta das 6h, quando se deparou com todo o alvoroço por causa do estabelecimento ainda fechado, e todos os acontecimentos que se sucederam ao encontrarem o corpo de Antônio Dias naquele dia.
Como dito antes, no mesmo dia 8 de setembro também foi realizada a reconstituição do homicídio do comerciante português e, no dia seguinte, foi decretada a prisão preventiva de José Osterne de Figueiredo. A perícia retornou ao local do crime e encontrou uma impressão digital em uma lâmpada elétrica que ficava próxima da cama da vítima. A lâmpada foi levada ao Gabinete de identificação para ser submetida a um exame datiloscópico, onde se constatou ser o polegar da mão esquerda de Figueiredo.
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Aqui, transcrevemos o relatório da reconstituição do crime da rua Taqueirinha, realizada pelo perito Aloysio Rodrigues de Oliveira, com a sequência de imagens captadas pelas lentes do fotógrafo Severino dos Santos:
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“A fotografia primeira evidencia claramente a ocasião em que José Figueiredo bate à porta da mercearia, a qual é aberta pelo proprietário, senhor Antônio Dias, dada a amizade que os ligavam. Conseguindo penetrar no interior da mesma, sob alegação qualquer, José Figueiredo, notando que Antônio Dias encontrava-se um pouco alcoolizado, convida-o a tomar uma cerveja, no que é atendido. É nessa conjuntura que desperta em José Figueiredo o homossexualismo; posto que de há muito conhecia a vida privada de Antônio Dias, que acata, incondicionalmente, as pretensões de seu amigo. Sobem ambos a escadinha que liga a mercearia ao sótão, onde se acha a cama de Antônio Dias, a fim de realizarem ali o de já mencionado. Saciado o desejo de José Figueiredo, ou mesmo o de Antônio Dias, aquele se dirige ao botequim para beber mais uma cerveja, enquanto Antônio Dias permanece deitado, dormindo em seguida.”
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“Descalça-se e, levantando as calças, sobe a escadinha e põe o macete sobre uma mesa, encaminhando-se rumo à lâmpada elétrica, que se encontrava apagada.”
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“Acende a luz, deixando aí suas impressões digitais, e constata o sono de Antônio Dias, completamente despido, digamos assim, verdadeiramente à vontade.”
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“Isso feito, apega-se do macete e desfere violenta pancada na cabeça de Antônio Dias.”
[/vc_column_text][vc_single_image image=”19686″ img_size=”large”][vc_column_text]
“Mais quatro violentas pancadas foram desferidas, tendo Antônio Dias morte instantânea, deixando o travesseiro por sobre a face da vítima, como que sufocando.”
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“Perpetrado o crime, apanha a chave do cofre, que estava em cima da mesa, e dirige-se ao mesmo no intuito de roubar. Acende uma vela ao lado do cofre, mas não consegue abri-lo, em virtude de desconhecer o segredo.”
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“Tolhido nessa pretensão, retira-se da casa, pela mesma porta que entrara.”
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[/vc_column_text][vc_single_image image=”19691″ img_size=”large” alignment=”center”][vc_column_text]
Assim que José Figueiredo confessou os dois homicídios, começou a surgir pela cidade uma série de boatos sobre outros assassinatos, também atribuídos ao cearense. De repente, parece que Figueiredo se transformara em um serial killer, responsável por várias outras mortes na cidade.
O jornal “A Tarde”, do dia 8 de setembro de 1954, além de insinuar que o réu confesso era autor de outras mortes, publicou também que José Figueiredo estaria planejando o fim de outro comerciante:
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Pelo seu depoimento se depreende que José Figueiredo é um criminoso nato e perverso. Já agora suspeitas existem de ser ele o autor de outros crimes ocorridos em Manaus, inclusive, dos irmãos Lopes e do “Periquito”. Também planejava, diante da impunidade a que pensava viver, a morte de outro comerciante, que seria o sr. Leopoldo Domingues, estabelecido à rua Joaquim Sarmento, esquina da rua Saldanha Marinho. (A Tarde, de 8 de setembro de 1954)
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O mesmo periódico, no dia seguinte, continuou a atribuir outros assassinatos a José Figueiredo. De acordo com “A Tarde”, o cearense teria envenenado uma jovem e enforcado outra, dentro da Pensão Maranhense, iludindo a polícia, que, na época desses acontecimentos, acreditou terem sido casos de suicídio. E mais:
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Soubemos, também, que José Figueiredo possivelmente se encontra envolvido num crime ocorrido há tempos na Ponta Pelada, não sendo de estranhar que, no decorrer das horas, outros homicídios, até agora envoltos em mistério sejam esclarecidos pelas autoridades da rua Marechal Deodoro. (A Tarde, de 9 de setembro de 1954).
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Concluído o inquérito policial sobre a morte de Antônio Dias, o comissário Manuel Cardoso enviou os autos ao juiz da 5ª Vara Criminal da Comarca da Capital, dr. Raimundo Cordeiro de Magalhães. Este mandou recolher José Osterne de Figueiredo à Penitenciária Central do Estado no dia 9 de setembro, o que ocorreu às 10h30. O processo foi distribuído ao 3º promotor de Justiça, Domingos Alves Pereira de Queiroz. O advogado de defesa de Figueiredo continuava sendo Milton Asensi.
Réu confesso e preso, chegava ao fim a saga criminal de José Figueiredo, assassino de Anacleto Heliodoro Gama e de Antônio Germano Dias. Manaus dormiria tranquila. A justiça foi feita e o caso estava encerrado…
Ou não?!
Continua…
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Clique aqui para ler o artigo José Osterne de Figueiredo: um grande azarado ou um assassino em série? (Parte I).
Clique aqui para ler o artigo José Osterne de Figueiredo: um grande azarado ou um assassino em série? (Parte II).
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